“Tenho saudades”

Os moinhos era pela ribeira abaixo. O nosso era chegado ao fundeiro. Lá mesmo no fundo lá da ribeira. Eu é que lá ia. Primeiro comecei a ir com o meu avô, depois com os meus pais. Eles ensinaram-me e eu gostava. Eu é que ia sempre lá pôr o milho a moer no moinho. Muito giro. Tenho saudades, adorava. Levávamos o milho num sarrão. Chamávamos sarrão, que era feito da pele das cabras. Tiravam a pele às cabras, inteira. Depois aquela pele era tratada e então era onde a gente levava o milho para ir moer e trazer a farinha. Levávamos o milho, chegávamos lá, púnhamos no moinho.

Onde metemos o milho é a moega. Primeiro metíamos o pojadoiro, que é o que vai controlar o moinho. É o que vai depois parar o moinho no fim de ele acabar de moer o milho. Portanto, aquilo é uma moega alta, a apertar para o fundo. No fundo tem só um buraquinho. Aquilo é uma tabuazinha com um furozinho no meio. A tábua é à medida do buraco da moega. Tem um buraquinho no meio, então depois tem uma tabuazinha que assenta lá no fundo, só com um buraquinho no meio que é para o milho passar por ali para ir para a mó para moer. Então aquilo, temos que assentar aquela tabuazinha que fica presa a um baraço, um fio. Assenta-se a tabuazinha lá no fundo, esse fio passa numa rodazinha. Vai directa lá abaixo, lá ao fundo do rodízio que é o que faz rodar a mó para moer o milho. É um rodízio, com umas rodas mas são umas penas de volta, redondo. Então fica ao cimo. A tábua fica lá assente no buraquinho e o milho depois vai saindo por ali para cair para a mó. Com o peso do milho a tábua fica presa. O milho vai passando por ali para ir moer, quando acaba o milho aquilo falta-lhe o peso e corre para cima. Vem para cima porque está puxado em baixo, com o peso em baixo, numa tábua grande. Quando o milho acaba, aquilo salta e a tábua cai de cima do rodízio. A tábua cai, tapa a água que vem da corrente da ribeira, a água começa a cair em cima da tábua e deixa de cair em cima do rodízio. O rodízio pára, parou o moinho.

Como era longe, nós vamos lá pôr por exemplo, de manhã. Aquilo era um sarrão enorme, leva tempo a moer. Nós não podíamos andar abaixo e acima para ir ver. Então tem que haver esse sistema para que o moinho pare quando o milho acaba, e então assim já estamos mais descansados. Só lá vamos pôr o milho a moer e voltamos lá depois buscar já farinha. Assim só lá vamos duas vezes, em vez de lá andar abaixo e acima. Só lá vamos quando podemos, quando entendemos. Temos mais ou menos aquele cálculo que aquilo já está moído, vamos lá, trazemos logo a farinha. Depois aquilo tem uma arte funda, para onde cai a farinha. A farinha está ali, nós voltemos a apanhar a farinha para o sarrão e trazemos para fazer a broa. Esse moinho acho que ainda está quase bom para andar, mas assim pronto para andar não está. É pena. Agora, o meu pai por exemplo, e muitos aí já têm aqueles moinhos a electricidade. Temo-los em casa. Aliás, agora a gente já lá não vai moer. Mas eu por acaso gostava mais. Dizem e é, o milho moído num moinho a água é muito mais saborosa a broa, e aguenta-se mais tempo, que o milho que é moído nestes moinhos eléctricos. Essa é uma diferença. E é melhor.