“O sustento da casa”

A carne se eu a apanhasse, bem a comia. O porco matava-se. Punha-se na salgadeira. Antigamente havia umas caixas de madeira, chamava a gente a salgadeira, e a carne conservava-se melhor que agora nos frigoríficos. Faziam enchido. Eram as chouriças. Era assim que a gente ia vivendo. Era o que dava para o sustento da casa.

No dia da matança do porco convidavam-se as famílias. Matava-se, pendurava-se e tratava-se. Fazia-se uma torresmada para se comer e assim se passava o dia. De manhã, por exemplo, matava-se o porco. Havia o matador, sangrava o porco. Depois chamuscava-se com umas carquejas. Raspava-se, lavava-se bem lavadinho e pendurava-se na loja. Chamava a gente um chamaril em madeira. Tínhamos um gancho nas traves das lojas, para pôr o chamaril pendurado. Depois o matador abria-o, apartava-se aquelas carnes para um lado e para o outro.

Tirava-se as tripas para as mulheres irem lavar. Para preparar que era para depois fazer as chouriças com as tripas. Iam lavar a uma bica onde tivesse água a correr, para as limpar. Eram lavadinhas e preparadas. Punham em sal e depois então, aquela carne que era migada para as chouriças é que ia nessas tripas. Algumas, outras não.

Os lombos eram arranjados e iam para panelas. As chouriças depois de secas punham-se ao fumeiro, no caniço. Ao fim de feitas metiam-se nas panelas. Chamavam a “panela das aflições”. Quando se viam enrascados para um almoço, iam lá à panela e tiravam uma chouriça ou um bocado de lombo e assim arranjavam um almoço ou um lanche para uma pessoa que chegava a casa.

Comia-se a torresmada ao meio-dia. A torresmada é carne de porco, aquela assim mais februda. Cortadinha aos bocadinhos, depois num tacho com temperos, com vinho, colorau, uma folha de louro e aí é que se faz os torresmos. Isso é que se chama a torresmada.

À noute ou ao outro dia de manhã, ia lá o mesmo matador. Cortava, aparava os presuntos como devia ser, as pás. Cortava aquela carne e depois salgava-se. Ia para a salgadeira. Era uma caixa em madeira, feita por os carpinteiros. Tinha uma tampa e depois punha-se ali a carne. Botava-se uma camada de sal no fundo. Muito sal. Um porco se fosse bom gastava-se ali 50 quilos de sal. Depois punham-se os presuntos no fundo e as pás. Depois sal, para não se estragar. Os outros bocados de carne iam pondo nos buracos, “pia cima”. A cabeça, as orelhas, essas coisas todas que era o governo para todo o ano, lá se conservava.