“O consolinho dos pobres”

Depois de casarmos, o meu marido esteve cá pouco tempo. Fez uma casa donde vivemos. Ele andou por um lado e por outro, que era carpinteiro. Andou a trabalhar nuns poucos de lados. Foram para as Meãs, foram estar em Abril numas minas… Não sei como é que lá chamavam. Ai, muitas coisas uma pessoa esquece. Ele dizia que lá só havia bolota.

Eu estava cá sozinha a criar os cinco filhos. Começaram a aparecer perto uns dos outros. Agora, já têm só os que querem, mas naquele tempo havia muitos garotos. Depois, diziam:

- “Ai, aqui tanto menino!”

- “Então não sabe? É o consolinho dos pobres!”

E era. Eu também foi na mesma. Ia a gente para a cama e era assim a vida. Havia aí um rapaz, e parece que ele que ainda não morreu, que me dizia:

- “Então, ó Maria, já outra vez?”

- Então, tu não vês que não há cá televisão?

Depois, começaram a pôr as televisões, já não fazem tantos!

Lá fôramos, lá íamos indo. Graças a Deus, a gente podia bem. Ele andava lá por fora e eu cá estava a tratar dos filhinhos e andava a fazer o trabalho por fora. A minha mãe, que Deus tem, tinha fazenda lá “pia além”. E quando se foi para o Sobral Gordo, nunca me ficava com eles. Não tinha a quem os deixasse. Só a minha sogra, a mãe do meu marido, é que me criou a mais velha. Criou-ma um ano. No fim de um ano, coitadinha, morreu. Já andava grávida dum que está agora na França. Tinha que os eu criar sozinha, levá-los para onde andava. Quando era no Verão, para regar as terras, tinha lá em cima uma poça muito alta. Ia lá todas as segundas-feiras e quartas e despejava a poça. Roçava um molho de mato, fazia um molho de lenha e depois vinha a regar. Só comia, às vezes, à noute. E os filhos andavam a brincar por um lado e por outro. Em se criando, os que pudessem andar já andavam por aí. O que me custou foi os mais velhos. Depois, a rapariga, a minha Natércia, já ficava, às vezes, com eles. E o que foi para a França, esse começou a andar com o pai. Lá andou sempre a dar aquelas voltas todas. Foram trabalhar ali para as Minas da Panasqueira. O pai disse ao encarregado das Minas:

- “Olha lá, metia-me cá um rapazito que lá tenho ?”

- “Traga-o lá.”

Chegou lá, diz ele assim:

- “Ah, ah! Então, isto é que é rapaz que possa com 30 quilos? Ou 50 quilos ou assim?”

Mas ele depois viu. Era “pequenelho”, mas era “teselho” como é o pai, que lá estava. Depois, já gostava dele. De lá é que começaram a andar aí por outros lados. Andaram em Coimbra, andaram em Lisboa, andaram por um lado e pelo outro. O outro, coitadinho, lá se remiu sozinho e lá foi para a Alemanha.

Lá se criaram todos. Quatro estão à mercê de Deus e o mais novo morreu-me há 17 anos. Foi fazer 21 anos à terra. Foi ainda andar por linhas travessas, que ele tinha uma nascida ruim na cabeça. Ainda fui a Coimbra. De Coimbra, fôramos para Vide. Havia lá o Reino de Deus. Aquilo era a passarem lá por uma porta e estarem ali com os olhos fechados. Lá fôramos ainda umas poucas de vezes. Depois, quando viéramos embora, começou lá o pastor - dizem que é os pastores - a bater-lhe na cabeça:

- “Estás curado! Estás curado!”

O “curamento” dele foi para debaixo da terra. Comeram-me foi dinheiro e não valeu nada. Deus Nosso Senhor é só um.