Milho, moinhos e porcos bravos

Cultivávamos milho. Semear o milho leva muita volta. É preciso cavar a terra primeiro, ter o estrume para enterrar. Depois, cava-se, semeia-se. Está claro atope-se. Naquele tempo até era com bois. Agarrava-se, espalhava-se e ficava quase tudo enterrado com a grade. Eram bois a puxar a grade e era o arado a lavrar. Ficava quase toda enterrada. A que ficava desenterrada, agarrava-se num pauzinho, da nossa altura ou mais alto um bocado, aguçado para fazer o buraquinho ao pé do grão e o grão caía para o buraco que se fazia com o carvalheiro, chamava a gente, de um pinheiro novo, pequenino. E era assim. Depois sachava-se, enleirava-se com o estrume. Botava-se estrume por cima dele. Depois começava-se a regar até ele se criar “pia fora”.

Ele estando criado, estando maduro, apanhavam o milho. Partíamos a espiga e depois vinha para casa. Punha-se lá num canto, lá donde se queria escarpelar. E tirava-se chamava a gente o folho. Uns era o folho, outras terras era outro nome. Cada terra tem seu uso, cada roca tem fuso. Depois é que se malhava, com um cacete. Malhava-se o milho com paus grossos. Mas não era muito mais de 1 metro. Na debulha havia muita gente, mas não era como nalguns lados. Não cabia muita gente assim para debulhar. Isto era só a debulhar o milho. A descamisar não. A descamisar cada um fazia o seu, a bem dizer. Era assim como é agora. Quase cada um malhava no seu. Depois ia-se limpar. Botava-se ao vento para o vento limpar. Não era como agora. Agora há umas máquinas para limpar. Eu até tenho uma.

Depois de malhado e seco o milho era para moer no moinho tocado a água. Não era a electricidade. Agora é que são quase todos a electricidade. Mas nós naquele tempo, aqui na Mourísia, era tudo a água. Até a farinha era melhor. Melhor que agora tocado a electricidade. Aquece não é tão bom, tão gostoso. Nem fica aquilo tão bem.

Vinha já com a farinhinha para cima, toca a amassar numa, chamava a gente, a gamela. Fosse lá uma mulher ou fosse um homem, peneirava-a e depois de a peneirar, botava-lhe ali um pinguinho de água e um crescento, o fermento. E era assim que se fazia a broa e toca a comê-la “pia fora”. Essa era a volta melhor que se lhe dava. Era comê-la. Não se dava volta tão boa como aquela.

Agora por via dessa bicharada que vem estragar o milho, deixei de semear milho. A bicharada, esses porcos bravos, que chamam nalguns lados, chegam ao milho já criado, já com grão e devoram aquilo. Eu ainda semeava, ainda continuava. Ele ainda se me não acabou porque havia um reforço de uns anos para os outros. Foram-me lá a um bocado que eu tinha bom, devoraram-me tudo no meio. Eu chateei-me com aquilo digo assim:

- Nunca mais mulher. Não semeio mais nada. Então fazem-me um disparate destes?

E ela, está claro:

- “Olha, é melhor é.”

Pronto, não se semeou mais nada. Também agora cada vez a gente pode menos. Com 86 anos quase, faço para Junho, por isso também já não posso muito.