Tempos de miséria

Tinha um gadinho. Tinha umas cabritas e uma ovelha, por exemplo, três cabecitas. Esses animais amassavam o estrume para as propriedades. E a gente explorava-lhe o leite e fazia um queijito. Naquela altura era a minha mãe, não era eu. A miséria que era naquele tempo, à vista de agora, fazia o queijito e depois daquele soro ainda se fazia um requeijãozito. Chamamos nós o soro ao leite que fica do resto do queijo, espreme-se e sai o que é fraco e o bom fica na coalhada, no acincho, chama-se o acincho. Assim pequenininho, mas aproveitava aquilo. E já me lembra, a miséria naquele tempo. Daquele requeijão, ainda lhe punham um bocadito de farinha, e um bocadito de pão de trigo, faziam umas papas e comia-se. E assim me criei valente, forte. Assim fossem as de agora.

Do gado era só o queijo. Tosquiava-se as ovelhas no tempo delas e vendia-se a lã para ajuda de outras coisas. Era assim.

Cozia-se a broa. Alguém comia pão de trigo? A minha mãe comprava um pãozito compridito, ainda parece que me lembra, custava 12 tostões. Mas era só para misturar um bocadinho junto com a broa, no café, sopas. Depois escondia-o na gaveta para chegar para toda a semana. Éramos só dois também, e ela três. Mas o meu irmão era mauzito de boca. Eu não, era do alambiço.