Véu e sapatos emprestados

Eu sabia a doutrina toda, hoje é que já perdi tudo, com a vida, com os filhos, com tudo. Eu lembra-me tanto, mas se for para dizer não sei. Não posso dizer. Perdi a maior parte. Sabia a doutrina toda de cabeça. Quem me ensinou foi a minha avó, a mãe da minha mãe e havia aí uma senhora que ensinava. A gente vinha tarde da fazenda e o meu pai disse assim para a minha avó:

- “Olhe, você podia ensinar a doutrina à sua neta. A gente vem de noite, e depois estão a dizer a doutrina e ela não assiste a tudo e não é bom. Eu pago-lhe o que você quiser. Diga-me quanto quer para a ensinar.”

- “Ah manda-a cá, manda-a cá.”

E eu lá ia todos os dias, coitadinha de mim, lá aprendi. Depois o padre aceitou, já sabia a doutrina, pronto. Fiz a Primeira Comunhão. Fui com um véu emprestado, não tinha sapatos, foram emprestados. Foi uma vizinha que me emprestou. E o vestido foi uma tia minha, estava na Cerdeira a servir. E ela pôs uma saia que tinha lá nova, só tinha vestido uma vez, desmanchou-a e disse para a minha mãe:

- “Olha Maria, faz um vestidinho daqui para a menina ir comungar.”

E assim fui, com a graça do Senhor, e ainda aqui estou.