“Ajudava a minha mãe”

Como eu era filho único nunca tive assim grandes problemas. Não tínhamos muita fartura, mas também não havia miséria. Não havia dinheiro para comprar várias coisas, mas do campo tínhamos sempre tudo o que era preciso. Eu ajudava a minha mãe. Ia para o campo deitar-lhe as ovelhas, guardar o gado, ajudar a regar, ir à madeira, fazer aquelas coisas que era normal no campo. Ainda tentei aprender a fazer colheres com o meu pai, mas não consegui. O meu pai dizia que era melhor ir para Lisboa, que isto aqui não dava nem para a sopa.

O ambiente lá em casa foi sempre razoável. Não tenho razão de queixa. Foi sempre bom. O meu pai era um homem normal. Só tinha uma coisa: ao domingo bebia os seus copitos... Gostava muito de beber o seu copito e depois, já se sabe, às vezes, estrilhava um bocadinho. Mas nada de exageros. Não exagerava, mas ao domingo... Gostava muito de cantar! Ainda aí há quem tenha cassetes dele. Quando estava com os copos, cantava para aí! E mesmo sem copos, também gostava muito de cantar. Se andasse no campo ou até mesmo a fazer colheres - que aquilo é muito puxado - ele cantava. E era uma boa pessoa. Quando o meu pai esteve em Lisboa, já se sabe, a minha mãe viveu com muita dificuldade. Ele mandava uns tostõezitos, mas era pouco... Nessa altura eram os tostões. Não é como agora. Agora é euros, mas nessa altura era tostões. E então, coitada, a minha mãe equilibrava aí com algumas dificuldades.

As brincadeiras nesse tempo não eram como as de agora. Jogávamos aí à pina-malha e ao pilogalo. Eram as brincadeiras daquele tempo. Era o que aqui havia nessa altura.

Quando andávamos no recreio, a gente fazia um cerco dentro do areal da escola. E dali para cima não podia passar. Chamávamos o pilogalo. Depois íamos atrás dos outros. Se me apanhavam, metiam-me para dentro daquele cerco.

E várias outras brincadeiras. Jogava-se a várias coisas, mas eu não tinha muito tempo para isso, porque a minha mãe dizia- me assim:

- “Agora, quando saíres da escola, trazes a saca - não havia malas, era uma saca de pano onde eu levava a pedra, os cadernos e os lápis - e vens cá ter ao campo.”

Eu chegava lá, deitava as ovelhas e as cabras e andava-as a guardar até à noite. Às vezes, já era escuro quando de lá vinha.

Os serões lá em casa eram passados a trabalhar. Mesmo à noite era a trabalhar. O meu pai a fazer colheres e a minha mãe a coser. Com candeeiros de petróleo e de azeite. Primeiro até era com candeias de azeite, depois é que passou a candeeiros de petróleo. E era assim que nós passávamos os serões. A vida naquele tempo era assim.