“Os professores devem ser respeitados”

Andei na escola quatro anos. A escola velha era ali à Carreira, à Senhora da Saúde. Depois foi feita uma nova lá para cima. Entrei com 6 anos. Nessa altura entrava-se com 7 anos, no dia 7 de Outubro. Era no dia 7 de Outubro que abriam as aulas. E eu fazia anos no dia 25. Então entrei com 6 e uns dias depois fiz os 7 anos. Lembro-me do meu primeiro dia. Oh, se lembro! A gente vai muito comprometido.

Estive lá e daí a dois dias ou três, tive tanto azar que me apareceu uma doença, que era o sarampo. Tive que ficar uns dias em casa, porque a professora não me deixou ir à escola. Nessa altura não havia tratamento nenhum. Era à base de um cobertor encarnado. E estive uns dias, já não sei quantos, em casa. Só quando fiquei bom é que a professora me deixou voltar para a escola.

Eu, em Problemas - que era o que nesse tempo se chamava à Matemática - era uma maravilha! Em Ditado, também não dava erros. O que era um bocadinho mais complicado era o Desenho. Nunca tive assim muito jeito para Desenho. Mas eu gostava muito de Problemas, dos problemas ruins, difíceis de resolver, que era preciso três contas, três operações. Os problemas, nessa altura, até eram muito engraçados. A tabuada era só comigo! Não tinha problema em tabuada. Agora ninguém sabe a tabuada, que eu acho que é o principal, é o princípio da Matemática. Agora, dizem que não é preciso a tabuada. Mas eu sei. Ainda hoje sei.

Não era dos piores a fazer malandrices, porque eu sempre tive respeito aos professores. A professora para mim era pessoa que se devia respeitar. Mesmo nessa altura, já eu via as coisas assim. Os professores devem ser respeitados. Aqueles que não respeitavam, de vez em quando, lá levavam uma reguada, uma varada por cima da cabeça. Aqueles que estavam sossegadinhos na carteira, não tinham problemas. A professora não complicava nada. Eram aqueles que às vezes ela até ensinava melhor, porque tinha mais carinho por eles. O rebelde, às vezes, dizia:

- “Ai, eu não sei, eu não sei isto.”

Não sabe, porque não está com atenção às aulas e a professora começava a não gostar assim muito desse, da maneira dele. Naquele tempo, era assim.

Recordo-me muito bem da minha primeira professora, a dona Isaura Cardoso. Era uma boa professora. Muito boa mesmo! Foi pena ela se ter ido embora logo no outro ano a seguir. Esteve cá quatro anos. Eu entrei no último ano e ela, logo no outro a seguir, foi-se embora para Fajão, que era a terra dela. Ficou lá a dar aulas e só aqui esteve um ano comigo. Depois, veio outra professora, que esteve aí um ano. Era interina. Nessa altura chamava-se interina, ainda não tinha o curso de professora. Com ela fiz a primeira adiantada. Depois fui fazer a segunda e a terceira com outra professora que veio da Guarda, de Almeida. Saí na terceira classe e estive quatro anos sem ir à escola.

Os meus pais antes queriam que eu andasse a trabalhar do que a ir para a escola. Queriam que eu me empregasse em Lisboa. Era só o que eles diziam. Por isso, o meu pai não queria que eu aprendesse a fazer colheres:

- “Não vale a pena! Isto aqui não dá nada! Para que é que estás aqui a matar a cabeça? Mal de ti! Mal de ti se aqui tiveres de ficar a fazer colheres. Vai mas é para Lisboa para te empregares.”

Para continuar uma vida diferente. Mas, naquele tempo, eu gostava de continuar a estudar. Até tinha tendência para isso, mas os meus pais não tinham possibilidades. Para isso tinha de ir para Coimbra. E para Coimbra, nem toda a gente podia ir. Só conheci aqui duas famílias que conseguiram levar os filhos para lá. Aqui não havia possibilidades. Quando muito fazia-se a admissão ao liceu. A partir daí não havia mais nada. Mas, como eu tinha uma força de vontade muito grande, lá convenci os meus pais. Já tinha 14 anos quando voltei para a escola, durante um ano, para fazer a quarta classe. Só não cheguei a fazer o exame de admissão. Com a quarta classe já achava que me conseguia empregar em Lisboa. Acabei em Julho de 1948 e logo a seguir, em Novembro, fui para lá.