A serra da velha

No dia de Carnaval, começava o terço. Vinha uma senhora dizer o terço aí à capela, à noite. Agora ainda continuam a dizer o terço, vêm-no dizer à tarde, mas naquela altura andavam a trabalhar e só podiam à noite. Depois, na quarta-feira do meio da Quaresma, a malta nova fazia a serra da velha. Arranjávamos uma serra velha, daquelas de folha de serra, que já não serviam. Se era uma boa, não punham lá. Arranjavam também duas panelas para bater, duas tampas de tachos e o raio... Nessa altura, havia cá muitas velhas, coitadas. Elas não tinham muita idade, não chegam à idade de agora, mas tinham 70 e tal, 80 e já eram consideradas velhas. E então íamos serrar a velha. Dávamos a volta à rua e:

- Ó, velha! Ó, velha! À porta o tens!

Elas vinham à janela ver o que era e gritavam como o caneco! Mandavam água cá para cima da gente. Mas nós já estávamos de prevenção. Quando elas apareciam, vinha lá água. Algumas já estavam prevenidas. Andavam a fazer xixi uns dias antes para nesse dia nos virem mandar:

- “Ah, malandros! Que não hão-de cá voltar mais à porta!”

Até tenho uma história para contar, já os meus avós contavam. Eram duas irmãs, que moravam lá em cima numa casa ao Outeiro. E havia aí um gajo muito atrevido, bastante atrevido, que se chamava Zé Barbado. Elas tinham-lhe uma raiva que o não podiam ver. Quando o viam, era a mesma coisa que ver o Diabo! Um dia foram lá serrar a velha à porta delas. E, ao mesmo tempo que serravam a velha, batiam-lhes na porta, para elas lá virem abri-la. Puseram-lhe um velho cheio de palha à porta. Faziam aí muito disso pelo Carnaval. Chamavam-lhe o entrudeiro, que depois era enterrado. Era o enterro do velho. Eles batiam-lhes à porta e elas tanto se irritaram que foram lá:

- “Quem me está aqui a bater à porta? Ah, vou-lhe dar uma tareia” - lá pensaram elas, penso eu.

Quando abriram a porta, o velho caiu-lhes aos pés. E eram elas assim:

- “Ó Zé Barbado, dá cá as orelhas! Dá cá as orelhas, ladrão! Que eu vou-te arrancar as orelhas!”

Pensavam que era o Zé Barbado que lá estava à porta, mas o Zé Barbado onde é que ele já ia! Estava lá era o velho! Passavam-se aí coisas muito engraçadas deste género.