“100 contos no caixote do lixo”

Outra vez, estava eu na Mata da Margaraça sentado já de noute. Nessa altura, tinha lá perto de 100 contos, que tinha feito de serviço, quando chega lá um gajo ao pé de mim. Ele tinha passado na Benfeita. Eu sabia que ele era de Coimbra. Chegou-se ao pé de mim:

- “Ouça lá, quanto é que você aqui faz por dia?”

Digo assim:

- Oh, oh! Então, tenho dias que nem 1 tostão aqui faço! Tem outros dias que estou aqui e não faço nada. Estou por estar. Estou entretido. Já estou reformado, estou entretido aqui.

Levava uma mulher com ele. Dizia-lhe assim a mulher:

- “Deixa o rapaz, que não te faz mal nenhum e é pacato. O rapaz é pacato, para que estás tu a apertar com ele?”

- “Tem de me dizer quanto ganhou. Tem de me dizer quanto é que fez!”

- Vou dizer quanto fiz? Então, tenho dias que nem faço aqui 1 tostão! Como é que lhe posso dizer o que cá fiz?

A mulher andou, andou até que o levou lá para a Fraga. Eu digo cá comigo:

- Agora vou para baixo. Em vindo para baixo é que ele me aperta a pele. A mulher vai-se embora e o gajo tosquia-me a valer.

Era de noute! E eu não tinha ali ninguém. Estava à espera do carro para me trazer para cima. Eu alugava um carro todos os sábados e domingos. Ao sábado, ia-me lá levar as coisas. Eu deixava lá as coisas numa casita e ao domingo de manhã ia daqui para baixo para a venda. Eu cá para comigo:

- Espera lá. Quando vieres para baixo hás-de cá encontrar o tralho, mas o dinheiro não encontras mais.

Havia, e ainda lá está hoje, um caixote do lixo na parte de baixo do largo, onde as mulheres botam o lixozito que fazem. E eu cá para comigo:

- Queres ver eu a meter ali o dinheiro? Boto num saco de plástico e vou metê-lo no fundo do caixote do lixo, que ele ali não vai meter as mãos. Tem-nas limpas, não mete lá as mãos.

Eu agarro no dinheirito, levanto aquilo com um pau, zás, dinheiro por baixo daquela porcaria que lá estava. Chega ele lá de cima:

- “Ouça lá! Ou fez sete ou fez oito ou fez nove, pode dizer! Pode dizer!”

Era para ver se eu dizia:

- Olhe, fiz cá tanto.

Eu já não o trazia, mas ele é que o levava! Era logo!

- “Então mas ainda não resolveu? Não resolveu dizer quanto cá faz por dia, de dinheiro?”

- “Vamos! Anda! Anda para o carro! Estás tu a meter-te com o homem! Vamos para o carro!” - ela não queria que ele estivesse com aquelas perguntas para mim.

Digo assim cá para mim:

- Agora podes mexer.

E para ele:

- Olhe, senhor, se está a hesitar tanto, mexa as coisas todas e eu mostro tudo quanto aqui tenho. Mostro se cá tenho algum dinheiro. Eu cá não fiz 1 tostão hoje! Nem 1 tostão cá fiz ainda hoje.

E quase 100 contos já estavam lá em baixo no caixote do lixo. Eu safava-me lá assim com muita coisa.