“O senhor não pagou a colher!”

Eu vendia colheres de pau. Tinha lá colheres muito grandes, com uma pá, aí de 1 litro de água. Um dia, estava eu lá sentado e passa um turista. Não sei se francês, se espanhol.

- “Quanto custa esta coler? Quanto custa esta coler?”

Digo-lhe eu:

- Olhe, custa-lhe 1 conto e 500.

- “É muito caro! É muito caro!”

- Então, se o senhor não quer comprar, não é obrigado, não compre. Deixe-a estar. Leve a outra.

Estavam ali umas mulheres de roda dele. Muitas raparigas, muitas mulheres. Ia tudo de rancho lá para dentro. O gajo pede-me uma caneca de água. Eu tinha sempre água fresquinha numa cântara de barro, porque, às vezes, chegava um e pedia:

- “Olhe, não me dava um copinho de água?”

- Dou, sim senhor. Então não dou porquê?

Eu ali só fazia bem para arranjar freguesia. Não ia escandalizar ninguém, porque senão:

- “Ai, és assim? Não me apanhas cá mais a comprar-te nada.”

Eu queria tudo. Quanto mais os estimasse, melhor.

Então, o gajo pede-me água:

- “Bota aqui para dentro, bota aqui para dentro!” - dizia-me ele para mim - “Bota aqui para dentro.”

Parece que o estou a ver. Eu encho-lhe a colher de água, nunca pensando no que fazia. Ele pegou na colher cheia de água e começou com a mão a botar um pingo para a senhora, outro pingo para outra, um pinguinho para aquela... A brincar. Na brincadeira, foi o que eu pensei. Diz-me um senhor que ali estava ao pé de mim:

- “Olha que ele já te não paga a colher.”

- Não paga a colher!? Então, o senhor viu bem que ele que não ma pagou.

- “Pois vi, eu sou testemunha.”

Vem para baixo, faço-lhe sinal com a mão e digo-lhe assim:

- O senhor não pagou a colher!

- “Pagar, pagar!” - a dizer que pagou.

- Não, senhor. Não pagou.

Começou ali a querer-se encrespar comigo. Eu tinha lá - tive sempre - uma catana de pau com uma moca grande. Penso assim:

- Obrigas-me a arrumar-te com ela na cabeça, mas depois eu vou preso, ainda é pior...

Porque aqueles gajos são gajos de massa. O gajo vem para o pé do carro com a colher, a brincar com a colher lá com os camaradas dele, mas dinheiro da colher, que é dele? Não havia dinheiro. Digo assim para mim:

- Bem, vou telefonar para a Guarda para Arganil. Ou o apanham no caminho de Monte Frio, ou o apanham ali em baixo antes de chegar a Côja. Ele tem que ser apanhado, que não vou perder 1 conto e 500!

Diz-me assim uma senhora que lá estava:

- “Olhe, eles têm muito dinheiro e pagam bem, que eu sou da terra deles.”

- Então, mas como é que ele fez aquilo?

- “Deixe lá, que eu vou-lhe lá dizer.”

- Deixe estar, minha senhora, não vá lá.

- “Vou, vou! Vou lá dizer, porque você não pode ficar sem 1 conto e 500!”

A mulherzinha foi-lhe dizer. Vem já com a colher “augurada”:

- Agora é que ele me vem arrumar com ela na cabeça - cá para comigo -, vem lá com a colher “augurada” assim no ar.

- “Uh! Uh! Pagou! Pagou! Eu paguei!”

- Olhe, pergunte àquele senhor se pagou. Pergunte-lhe ali!

- “O senhor não pagou. Não pagou...”

- “Pagou, pagou! Pagou, pagou!”

“Pagou, pagou” e o dinheiro não vinha de lá!

Ainda me veio à ideia por duas vezes:

- Se eu pego hoje no estupor do pau... Mando-te a uma perna que tu hás-de ir só com uma para o pé do carro!

Mas depois era pior para mim. O gajo, depois, mandava-me prender ou uma coisa qualquer. E eu assim:

- Estou lixado com ele...

Depois, lá puxa de má vontade pelo conto e 500 e mandou-mos para além. E eu cá para comigo:

- Atira até com ele para o meio do chão, que eu não me importa disso. Eu quero é apanhá-lo cá para o meu bolso!