“Remediar com quanto pudesse”

Antigamente não havia médico. Quando estávamos doentes, íamos a uma farmaciazita. Chamava a gente um “farmacete”. Também havia em Arganil um hospitalzito. Agora até o reconstruíram e está melhor e maior. Era ali que a gente ia ao médico. O médico consultava-nos e dizia assim:

- “Tomem lá este papelinho e vão à farmácia levantar os medicamentos para tomarem.”

De resto, tínhamos as ervas. No Inverno, que está tudo verde, tudo bonito, temos muitas ervas de boa qualidade. Quando me cortei numa mão, tratei-me eu com um frasco de tintura da preta. Botava-lhe, com uma ligadura apertava e assim passava.

As crianças, coitaditas, nasciam em casa ao pé das mães. Depois iam com elas ao médico a Arganil. Era assim a vida. Não é como agora. Agora, em vendo que tal, zás para o hospital. Dantes, não havia nada disso. Havia cá uma mulher que ajudava as outras. Chamava-se Nazaré. Era muito jeitosa, muito ajeitadinha para isso. Expunham essas dores à mulher à meia-noute... Eu fui buscá-la às costas para o meu António, o mais velho. Trouxe-a às costas para minha casa. Ela chegou lá, foi logo de caminho. Não havia outra coisa! Cá não havia outras comodidades, um hospital para onde fosse. Só em Coimbra. Mas não havia estradas, para se transportar ninguém para lado nenhum. Era só assim. Cada qual tinha de se remediar com quanto pudesse. E nós agora cada vez estamos pior. Não há quem faça um serviço por ninguém. Não há ninguém... Tudo quer é muito dinheiro. Mas agora também já não é preciso. Já não nascem crianças!

Em pequeno, deu-me no berço uma paralisia infantil. Daí comecei a coxear. Chamavam, naquele tempo, a isto um ataque de meningite. Se os meus pais, naquela altura, me levam a um médico ou me mandam para um hospital, eu ficava bom. Aconteceu aqui a duas pessoas da terra e ficaram boas. Coitaditos, os meus pais não tinham posses para me levarem. Hospital, só em Coimbra é que havia um. E uma coisa também somenos. Só havia uma farmaciazita na Vide, que é por cima de Alvôco. Ainda me lá levaram:

- “Aqui não fazemos nada a isto! O que é que lhe vou chegar? Levem-no para o hospital, para ser operado.”

Ainda era novito. Mas nunca me deu um achaque a trabalhar, nem a cavar terra, nem a cultivar a fazenda, nem a buscar um carrego de madeira. Até esta altura. A idade começa a avançar, as forças começaram a faltar e sem umas muletas já não posso ir para aqui nem para ali. Já não consigo. As coisas são assim. Mas sempre vou andando, sempre me vou mexendo.