“O espírito de entreajuda funcionava”

Nas tarefas, as pessoas ajudavam-se. Ajudavam mesmo. A moeda de troca era essa. A minha mãe ia ajudar outra pessoa a cavar e depois essa pessoa vinha ajudar a minha mãe. Não havia pagamentos. Não se ganhava dinheiro a fazer estas tarefas do campo. Não eram remuneradas. Era tudo feito voluntariamente. Ninguém chegava ali:

- “Vais trabalhar para mim e eu dou-te “x”.”

Não era assim. Era mesmo troca por troca de trabalho. O espírito de entreajuda funcionava porque era mesmo assim. Isto era pobre. Se havia algumas pessoas com mais dinheiro, a gente não via. Nem demonstravam. Nem elas próprias pagavam a alguém. Se fosse preciso, mesmo que tivessem mais dinheiro, ajudavam as outras pessoas, se vissem necessidade. E depois pediam também ajuda.

As pessoas de fora, normalmente, eram vistas como intrusos. Não aceitavam assim muito bem. Diziam logo que eram ciganos, que andavam para aí, ou que eram isto e aquilo. Recordo-me que quando os carros começaram a aparecer ali no largo, as pessoas metiam-se todos para dentro de casa. Era muito fechado, mesmo. É difícil explicar esse pormenor, mas acho que dá para entender. Não tem nada a ver com os dias de hoje. Agora, através dos filhos, muitas pessoas já modificaram um bocadinho. Pouco, mas já modificaram. Agora há 40 anos, era 30 vezes pior do que agora. O Piódão está muito diferente, mas conservou-se até esta altura. Tudo se conserva, mas também se destrói de um dia para o outro. A partir de certa altura, não deixaram destruir assim tão fortemente. Mas se isto está assim foi devido mesmo ao enclave em que está.