100 escudos ao dia

No Piódão quando tinha 14, 15, 16 anos, eu ajudava a cavar terrenos, porque nestas terras não entrava uma máquina, tinha que ser tudo cavado à mão. Os socalcos para amanhar, para semear batata, milho e assim. E nós miúdos já com 14, 15, 16 anos já andávamos aí a ajudar a cavar os terrenos, com uma enxada na mão e aquilo que eu ganhava num mês em Lisboa, os 100 escudos, às vezes, já me davam com 15, 16 anos, por dia no Piódão. E eu dizia assim:

- Então ando lá um mês para me darem...

Bem, comia e dormia. Por um lado é duro mas naquela maneira de pensar, era melhor andar nas terras. Tudo o que nós ganhávamos, que a pessoa depois à noite nos dava, os 100 escudos, isso era entregue sempre ao pai. O pai é que fazia a gestão. É que nos governava, como ele dizia. E nós, às vezes, gostávamos mais de ir trabalhar para as pessoas aí sem ser em casa, por fora, porque acabávamos por nos reunir, quatro, ou cinco, ou seis ou sete rapazes da mesma idade e aquilo servia de convívio ao mesmo tempo. E, nesse dia, até havia, às vezes, uma ementa um bocadinho melhorada. Como andávamos a trabalhar para o patrão e como ele nos dava um trabalho um bocado mais duro tínhamos de comer melhor. Se fosse preciso, naquele dia, já havia um lombo de porco. Eles faziam aí, não havia frigoríficos nem arca, não havia electricidade, fritavam, depois punham num molho próprio, num azeite próprio e aquilo era comido só nas alturas especiais, nas festas. E quando andávamos nos trabalhos mais duros, a cavar e assim, eles faziam uma ementa melhorada. Depois faziam um arroz-doce, faziam uns coscoréis, faziam uma ementa quase considerada uma ementa festiva. E nesse tempo, até pela comida as pessoas nos aliciavam. No tempo do meu pai, da minha mãe e da minha avó, às vezes, as pessoas iam trabalhar voluntariamente só pela comida, porque em casa deles não havia grandes possibilidades. Passava-se mal, muitos dias só com uma sopinha. E indo trabalhar para essas pessoas já comiam melhor.