Bacalhau, o prato da noite

O Natal era passado em família. As pessoas reuniam-se. Muitas vezes, havia familiares que estavam fora e vinham à aldeia. E também já havia um ou outro que ia passar com os familiares em Lisboa. Nessa altura, já havia muitas pessoas em Lisboa. Mas era uma noite especial. Naquele tempo, havia a missa do galo, à meia-noite, na igreja. Havia cá padre permanente. Agora há um que vem aos domingos, ou vem quando é necessário. Mora na Moura da Serra, embora seja natural do Piódão. Mas, naquele tempo, tinha um padre permanente. Portanto, todas essas cerimónias inerentes ao Natal ou depois ao primeiro dia do ano, o Ano Novo, a Páscoa, todas essas cerimónias que se faziam ele cumpria rigorosamente. Era adultos, era crianças, era tudo junto, dava-se tudo. Portanto, havia uma grande empatia nessas questões da religião. As pessoas praticavam muito e, portanto, nessa noite, iam à missa do galo.

Os presentes eram poucos. As pessoas não estavam habituadas a dar nem a receber. Portanto, vivia-se mais aquele espírito de Natal, de convívio. Não havia muito essa tradição de estar a distribuir prendas, porque também não havia possibilidades económicas. Eram famílias pobres. E, naquele tempo, assim como hoje, aqueles mais velhos, o dia de aniversário, consideram aquilo como mais um dia que passa, mais um ano que fizeram, não atribuem muito valor. E, nesse tempo, no Natal e na Páscoa, éramos miúdos e a única coisa que, às vezes, nos davam era um brinquedo. Os padrinhos davam-nos um brinquedo. E de folar, às vezes, davam-nos um pão. Nós estávamos habituados à broa de milho. Por isso quando vinha um pão daqueles fabricados em padaria, embora tendo menor qualidade, mas como era uma novidade, nós valorizávamos muito. Era macio, era tenrinho e a broa era mais dura, mais rija.

A tradição do Natal era o bacalhau. Era o prato da noite. Tínhamos de ir buscar as melhores couves à horta. Uma boa posta de bacalhau demolhada e a noite de Natal era basicamente isso. Depois, fazia-se umas filhós ou uns coscoréis, e fazia-se o pão-de-ló. Era considerada uma noite especial por isso a ementa era um bocadinho melhorada dentro daqueles produtos regionais que se faziam aqui.