“Acho que não devia ser tão repressão”

Quando vim para o Piódão, vim bem. Encarei aquela: porque é que uma pessoa não há-de viver onde quer? Mas depois as pessoas encaram as coisas assim: eu não ia à missa, então, era o demónio! E esse é um pormenor muito mau da população da aldeia que eu nem sei dizer. A religião era um acontecimento. Hoje em dia já não, estou a falar no tempo dos meus irmãos. Nessa altura, as pessoas só vinham aqui ao domingo. Vinham do Torno, vinham da Foz d'Égua, mas mesmo as próprias pessoas aqui da povoação só ao domingo é que se encontravam na igreja. Durante o dia, tinham os seus afazeres numa ponta lá para o fundo da povoação. À noite a pessoa vem maçada, não há tabernas, não tem dinheiro, está em casa, vai para a cama. Então, ao domingo, veste a sua camisa branca engomada, vai para a igreja. Não é o acto de ir a uma missa, porque eu estou desconfiado que muitas das pessoas que lá vão saem sem saber o que é que o padre disse. É aquela coisa de se mostrarem que estão ali.

Há 20 anos, quando para aqui vim, se a missa era numa altura em que eu passasse no largo, eu olhava para a frente e via aí 40 ou 50 rapazes, homens, a falarem durante uma hora depois da missa. Eu punha-me assim:

- Olha, isto parece aqueles filmes de cowboys que eu via na televisão em que os gajos tinham o rancho ali e, ao domingo, iam beber uns copos à taberna e andavam lá aos pontapés e à cabeçada uns aos outros.

As coisas são assim e hoje, embora haja pessoal novo, o sistema é o mesmo. Eu sinceramente acredito que seja assim, porque eu conversava com o meu pai sobre isso. Perguntava-lhe:

- Ó pai, olhe lá, você acha que realmente esta coisa de ir à igreja, de acreditar naquilo, será alguma coisa?

- “Então, foi o que nos ensinaram. É aquilo que a gente tem que seguir!”

Ah, isso é bonito. Ensinaram-lhe, eles tiveram que seguir, não tiveram pensamento talvez. Todos tinham que fazer catequese, Crisma e essa coisa toda. E eu, embora não tivesse bem atenção, que aquilo não me dizia grande coisa, também não estava naquela que era mau ou que era bom. Nem tinha pensamentos dessa natureza na altura. Mas outro que tivesse tinha de ir também na onda para não ser posto de lado. Mas se o país também era um bocado assim, então aqui no Piódão, sem televisão, sem rádio, sem conhecimentos, era só o padre a dizer:

- “Tu tens que seguir isto, porque senão és mau! Se não fores à missa, tu és mau!”

Não sei se é boa se é má, mas as pessoas ficam trafulhadas logo à nascença. Têm que seguir. Ainda hoje o tipo que não vai à missa é mau! É inimigo! Não sou eu. São todos aqueles que não vão à missa. Isso foi sempre assim. Embora a igreja para mim seja um símbolo, acho que não devia ser tão repressão, o que na cidade já não era. Não digo que é uma perseguição, mas acho que a pessoa, quando começa a crescer e começa a ver estas coisas, diz:

- Eh pá, afinal o mundo não é assim!

Mas em si a igreja é um monumento que nós, o meu bisavô, o meu trisavô e não sei quantos contribuíram. Estão ali partes de terreno que eram da minha família. Uma trisavó da minha mãe doou um cordão de ouro que tinha por causa de uma promessa de um filho. Derreteram um cordão por um filho, atenção! Derreteram-no para fazer lá o efeito na coroa do santo. Santos há para lá todos. No Piódão é a Capela do Bom Parto em cima, a Senhora das Almas e o São Pedro. Mas de certeza que devem estar lá todos na igreja: o Santo António, o São João, o São Pedro... Não sei mas, quando saem com a procissão, é uma data deles! A igreja aqui existe e é uma das casas que tinha muitos terrenos, mas os bens que tem eram dádivas das pessoas. Até tem para aí coisas que se calhar ainda tem nome de pessoas ou nem tem nome. Porque nunca fizeram bem a história dos bens que a Igreja tem. Acho que agora estão a fazer isso. Portanto, para mim, a igreja é um símbolo, é um monumento que aí tenho, mais nada. Se houver lá uma despesa, eu também tenho que contribuir como os outros. Ninguém me vem exigir, mas está na minha disposição dar.