“Andei assim um bocado por aí fora”

Durante o tempo em que estive fora do Piódão fiz um bocado de tudo. Fui empregado de balcão, andei na distribuição na Margem Sul, trabalhei no Ribatejo, estive no Alentejo também um ano e tal a trabalhar, andei no Algarve a fazer estufas... E agora, ultimamente, vivia no Seixal, entre o Casal do Marco e Paio Pires. Andei assim um bocado por aí fora.

Quando vim para o Piódão, não havia mesmo nada. Não havia trabalhos nenhuns, não havia nada e eu só imaginei:

- Para ali, só se me instalar. Mas em quê? Lá não há nada... Tem que ser com cabras.

Tinha 29 anos, comprei uma cabrada. Nunca ninguém imaginava que eu me aguentava aí com uma cabrada. Quando eu me pus a conversar com o meu pai, acho que vontade dele era mesmo eu estar cá, porque os meus pais já estavam a entrar numa fase da idade. Vim bem! Mas eu quando vinha aí era diferente dos outros... Até tive assim vários problemas quando instalei a cabrada.

Uma cabrada é um conjunto de cabras. Faz um rebanho de cabras. Cheguei a ter 140. Mas não era assim como hoje estamos a implantar aí na Associação de Compartes. As minhas cabras levavam aquela vida mesmo selvagens. Chegava lá de manhã, deitava-as para a rua, ia com elas por aí acima, lá para a serra. E depois é que vinha com elas à noite. Fosse Verão, Inverno, estivesse a chover, neve... Agora não. A gente está a vedar e a controlar aquilo em parques. Só que um tipo aqui sozinho nunca consegue fazer nada disso. Aqui é sempre difícil uma pessoa instalar-se como os que cá vêm. Embora todos temos terrenos, não são áreas consideráveis ou boas para aquela actividade. Mas a Associação, como ocupa o que é do povo, fica com uma área que dá para ter um rebanho controlado. Só que há diferenças. A cabra que é da serra mesmo, que só come o que é natural, é uma carne mais calcada, mais escura. Estas cabras que andam por baixo e, às vezes, comem umas coisas por fora ou assim, têm uma carne já mais mole.

Já não é da minha lembrança ver lobos. Mas é um animal natural de cá, tem direito a sobreviver. Agora raposas, sim. No último ano em que tive um rebanho, só uma raposa destruiu-me 28 cabritos! Deu um prejuízo... Eu andava aí com as cabras no meio do mato. Como o mato já era alto à brava, os mais pequenos ficavam para trás a brincar. As cabras passam e eles ficam lá entretidos a berrar com outro. Depois não se orientam bem. Alguns, que são espertos ou já têm a rotina, orientam-se pelo som das companhias. Há outros que não. Ficam ali à espera a berrar, mas as cabras passam, estão-se marimbando. Então, nem era preciso a raposa ir atrás deles. Ela dá sinal, eles vêm logo ter com ela. Porque estão perdidos e está ali alguém que os vai safar. Vêem um animal também, está logo uma salvação. Só que não pensam que é um animal que é perigoso. São inocentes. Imagine-se o que é, hoje em dia, uma criança aí com 6 ou 7 anos que vai para uma concentração grande (por exemplo, Fátima ou um evento qualquer em que há para 100 mil pessoas). A criança, sozinha no meio daquela confusão toda, fica em pânico! Hoje em dia, há notícia. Mas num animal, não.

Agora, por exemplo, com o lobo esse atacava mesmo em cheio. Até uma pessoa se fosse preciso. O lobo era um inimigo perigoso! Já não é do meu tempo, mas há até uma história de uma senhora, chamada Glória, se não me engano. Ainda me lembro da mulherzita já com idade. De dia mesmo, os lobos atacaram-lhe lá um rebanhozito que ela andava a guardar. Tinham fome e não havia comer aí na serra. Eles tinham que vir onde havia. Apareceu um lobo e, então, ele pegou num borrego de um lado, mas ela pegou do outro:

-“Largas ou não largas? Não largas ou largas?”

E ele largou! Foi-se embora! Mas também se diz que o outro atacou logo, mordeu, matou! Agora, eu não vi, não sei. O que se conta às vezes nem sempre é o que é verdade.