Mitos, lendas e espíritos do outro mundo

As lendas da aldeia são as lendas que há quase em todo o lado. É a mesma história. É o lobisomem, é não sei quê... Dizem que a uma passagem de mudança de lua, um tipo varia, transforma-se num animal. Isso é que é o lobisomem. Mas não é só em Portugal, há muitos países que têm essa história. É como na Escócia o do Lago. Mas acho que isso é mito, uma coisa que as pessoas arranjam só para o miúdo, quando sai de casa, pensar. Ou seja, para meter medo. Aqui, por exemplo, havia a história que dizia que andavam um a regar. Quando deu conta, não vinha lá água. Ou que no moinho a água não chegava. Diziam que foram as bruxas ou que andava lá o mago e o outro do outro mundo.

Mas, às vezes, há pessoas que sentem mesmo. Na altura dos meus irmãos, os dois mais velhos - têm agora 60 anos -, muitos rapazes iam ali para os Chãs d'Égua. Casaram lá muitos. Então, não havia motas, não havia estradas, tinham que ir a pé. Ao passar ali por uma zona que se chama Barrocas, há um sítio que realmente até de dia mete um bocado de respeito quanto mais à noite e sozinho. É um sítio que fica ali atrás do cemitério. E aí, de noite, geralmente é onde há corujas, bufos reais (que são aves nocturnas de grande poderio) e esses animais. Até são capazes de viver 70 ou 100 anos. Ora, se estão todos os dias em casa deles, ali a imaginar o harém sossegado, quando passa ali qualquer coisa, eles têm que dar logo sinal. É lógico. Talvez o mito seja esse: mal os rapazes entravam além, na ponta do outeiro dos Chãs d'Égua para cá, a coruja ou o mocho ou fosse o que fosse talvez tivesse o sinal e eles entravam logo em pânico! Diziam que era o espírito ou qualquer coisa assim parecida. Por causa do susto e daquela coisa da ave talvez se mexer, um primo meu mandou-se lá para um poço onde estava água do Inverno. E depois é a história do outro que caiu e lá ter morrido ou o outro que fez e aconteceu. Um tipo, mal chega à ponta do outeiro, diz:

- “Pá, já não vou! Já não vou!”

Já não vai, não vai mesmo! E então voltavam para trás, iam dormir às palheiras, às arrumações dos animais, em cima no pasto onde passava ninguém.

O meu pai contava e toda a gente de idade conta, que para ir daqui para a Malhada Chã ou daqui para o Tojo faziam as travessias a pé de noite. O meu avô era um dos tipos que ia daqui para o Tojo a pé e sozinho! Metia-se-lhe na cabeça que tinha que ir e, mais um bagacito ali e outro lá, ia. Mas depois, a altura certa, se há esse acontecimento, é que também tem que haver imaginação da pessoa, saber estar. Só que eles entram em pânico. É como cair de um barco ao mar: a pessoa tem logo é o pânico. Mas, pronto, uma pessoa de bem ainda não viu muita coisa, mas de mal já se viu. E eu acredito nessa de que realmente existe o mal.

Não estou a ver o filme “O Exorcista”, mas aqui no Piódão conta-se que tipos que morriam andavam a chatear outros por dívidas. Porque morriam e ficavam-lhe a dever dinheiro. Houve um problema desses com o pai de um que ainda está vivo. Segundo consta a história - não sei se é verdade, se não -, o marido de uma mulherzita pediu dinheiro a esse homem para construir a casa. Quando o pai morreu, não sabiam os outros irmãos. E, então, isso andava que foi um problema! Era o pai deste tipo do Piódão que andava a chateá-lo. Também acho que andaram em bruxedos lá com a mulher e o bruxo disse:

- “Ó pá, isso é dívidas! Enquanto não pagarem, não resolvem o problema!”

E o que é que acontece? Para resolver: a mulher tinha pago a casa. Se era disso ou não, não sei. Mas eu vi a mulher a fugir, que andava um atrás dela com um machado etal! Isto não é cérebro fraco das pessoas nem é loucuras momentâneas. Aquilo é mesmo qualquer coisa que anda ali a chatear.