“Onde é bom é para todos, onde é mau é para todos”

Isto em princípio era uma comunidade. A azeitona da Igreja, por exemplo, era comunitária. O pessoal juntava-se todo ao domingo a apanhá-la. As debulhas do milho também eram onde as pessoas mais se juntavam a ajudarem-se uns aos outros. O milho já existia também no Piódão - acho que na Europa tem, vá lá, cento e poucos anos - mas, nessa altura, o centeio é que era o forte das casas. Quando o milho e a batata vieram, mais tarde, o centeio já existia. Criou-se então aqui. Toda esta encosta da serra era cavada de sete em sete anos. Cavavam este ano aqui, no ano a seguir cavavam outro lado, porque todos têm terrenos nessas áreas. Eu acho que visão dos terrenos em si foi baseada assim: onde é bom é para todos, onde é mau é para todos. Muitos não compreendem, nem pensam, nem estão a imaginar porque é que aquele tem ali, o outro tem ali, todos temos terrenos. Era porque o que é bom é para todos e o que é mau é para todos! Não sei quem teve lá essa ideia, mas acho que foi uma coisa linda!

Então eles eram assim: chegavam ali, mondavam todo o mato daqueles sete anos, truca, truca, cavavam e faziam ali as sementeiras nesse ano. Ou seja, ao meterem lá o pão - a gente chama pão, mas aquilo é cevada ou trigo ou centeio - já estavam a fazer pastagens para os animais. É a tal história: às vezes uma coisa vem por bem, duas então são agradecidas. E isto era uma delas. Hoje em dia diz-se que há erva composta para o Verão, para o Inverno, mas não sei se isso aqui vingaria. O que vinga é que, ao plantarem o pão, a terra fica virada e nascem sempre novas ervas. Não era só pela nossa falta, ou seja, para terem depois comer, como era também para pastagens para os animais. Nessa altura, eram famílias grandes e tinham que produzir, ter queijo, criar porcos, criar galinhas, vender cabritos para depois comprar umas botas ou assim. Já não é aquela troca por troca ou do almocreve, mas quando se vendia um artigo, era basicamente para empatar noutro artigo. Hoje é só meter o cartão e receber o dinheiro, mas não era assim. Tinha-se que primeiro andar talvez um mês ou dois a imaginar e a ver o que era isso.

O comunitário era, por exemplo, haver famílias que, há 30 anos atrás, diziam:

- “Ah, vais-me ajudar a mim a sachar, a cavar.”

Então, iam hoje para este, amanhã para aquele. O trabalho de cava era comunitário. Mais tarde, de há 30 anos para cá, já pagavam. Só que antigamente não. Era comunitário mesmo. Era:

-“Vamos a este, vamos àquele.”

E todos os anos podia haver duas equipas ou três, formava-se aquele grupo anual. Era sempre aquilo ou porque eram primos, ou porque eram vizinhos, ou porque se davam bem.

E eu ainda me lembro que qualquer bocadinho que havia era plantado. Andavam as raparigas ou mulheres na sacha do milho também, porque o que a gente vê aí de socalcos era tudo plantado. Praticamente quem mais terras tivesse mais ganhava, porque cedia-as, mas em troca de quantidade de colheita. É lógico, se a pessoa só vivia do que colhia, quanto mais tinha mais recebia. Então, aquelas famílias dos grandes latifundiários da altura é que tinham os fornos e os moinhos. Em princípio são familiares. Por exemplo, há um moinho de 18 pessoas. Essas 18 pessoas são de herança do tipo que o fez. Já vai para os trisnetos, eu sei lá. O lagar era praticamente a mesma coisa. Era de uma família daqui do Piódão. O da Foz d'Égua era de outra família que era da parte da minha mãe também. Só que na Foz d'Égua a Igreja é que o começou. Depois acho que não teve capacidade para suportar e, como essa família tinha mais condições, acabou o lagar. Ainda hoje há lá uns tipos que são herdeiros naturais, mas agora acho que já venderam aquilo.