“Toda a gente tem luxo”

A Benfeita mudou no luxo. Toda a gente tem luxo. No meu tempo não era assim. Não tinham as casas recheadas de tudo quanto é bom, como têm agora. E dizem que está mau. Não, no meu tempo não era assim. Elas entendem que se podem governar assim. A gente no nosso tempo era uma tigela para comer, não é bem assim mas pouco mais, e um lençol para dormir. Pouco havia em casa.

Antigamente não se tinha tanto como agora. Eu agora carregava um burro, de coisas que tenho em casa. Naquele tempo não. Tinha-se o indispensável. Tínhamos uma roupa para o domingo, outra para a semana. Tinha uma madrinha que era costureira, uma costureira como as modistas de agora, e fazia-me a roupa de graça. Era minha madrinha, fazia-me sempre os fatitos de graça. Davam-me quase tudo. Tinha muita família. Uma trazia uma blusa, outra trazia uma saia. Mandava-a fazer e pronto, ficava vestida. Nunca tive problema de vestir. Tinha umas primas que eram mais ou menos da minha idade e a minha avó era avó delas e, às vezes, até me dizia assim:

- “Olha, dão-te muita coisa, dá alguma coisinha às tuas primas.”

Pois eu, graças a Deus, nunca me faltou que vestir. Ainda hoje, são coisas aos montes. Não era o luxo. Para as mulheres não havia calças. Quando começaram a vir os collanzitos já era uma grande coisa. Depois, o tempo foi evoluindo, evoluindo, há para tudo e mais alguma coisa. Os rapazes tinham o fatinho deles para as festas e à semana era uma camisola, por exemplo, e umas calças. E davam uns aos outros também. Quando aquele tinha muito, que já não usava, dividia. E tamancos. Tamancos abertos como as chinelas que agora usam. Só era madeira por baixo e coiro por cima. E ao domingo lá tinham umas botitas para ir à missa, aqueles que lá iam.