Brincadeiras de Carnaval

Tradições havia várias. Eu lembro-me que, na época dos meus irmãos quando era as Janeiras, vinham para aí todos e pegavam em dois paus. Iam para o forno e a gente ia atrás deles. Nós éramos pequenos, corriam com a gente! Também há aquela do Carnaval de andar a brincar. Fazia-se “fusquetas”, de vários tipos e de vária imaginação, uns aos outros.

Havia aí um homem que era o tio Manuel Romão. Era um homem que vivia sozinho. A pessoa, quando vive sozinha, torna-se solitário, porque não tinha rádio, não tinha televisão. Então, iam sempre para o banco onde o pessoal parava e ele estava ali a ouvir a conversa. Ele não estava lá, estava a dormir, mas estava a gravar tudo. E depois, claro, o pessoal não gostava muito daquilo, que já sabia como é que ele era. Era um tipo que nunca tinha ido a Lisboa e sabia as ruas todas de lá! Eu andei lá e não sei onde é que é as ruas e ele sabia sem lá ter ido, só de ouvir! O tipo memorizava bem. Aquele homem era demais!

Esse homem levantava-se sempre muito cedo. Um dia, já na época do meu irmão, fizeram um boneco em pano, foram à porta do homem e amarraram-no lá. De manhã, quando ele abriu a porta, levou com ele em cima. O homem fecha a porta e diz:

- “O que é que anda aí!?”

E ele era um homem alto à brava. Era um dos mais altos que havia!

Havia brincadeiras que hoje em dia um tipo nem imagina. Por exemplo, irem daqui, às duas da manhã, pelo meio do mato fora, com um dia de lua (pois, senão caíam nos caminhos, porque não levavam pilhas) para irem meter um boneco numa figueira para arreliar uma mulher. Coitada, a mulher era de uma família pobre e, de manhã, levantava-se muito cedo para ir ao mato. Tinha lá uma figueira. E os figos aqui, no país e mesmo no mundo, acho que é um fruto de grande importância. Embora as pessoas não liguem, existem figueiras no Algarve, no Alentejo, no Ribatejo, no Norte, no Centro, em todo o lado. Então, eles lembraram-se:

- “Vamos lá pôr um espantalho na figueira. Ela de manhã, quando vai olhar para lá, anda lá pendurado.”

Depois foi assim: três ou quatro tipos vão por aqui fora, às duas da manhã, com o espantalho. Ao passar a pousada, lá desceram uns pregões por aí abaixo. Como ainda a lua vai boa, o luar parece de dia. Chegam lá, vão atá-lo na figueira. A mulher, de manhã, foi ao mato. Chegou lá no meio do mato, poisou à porta do curral, queria ir comer figos, olhou para a figueira, viu lá o gajo pendurado. Veio por ali fora:

- “Ah, meu malandro! Eu vou chamar o meu filho!”

Foi chamar o filho. Era o tio Fórnea. Coitado, já morreu um velhote com 90 e tal anos. Nessa altura, andava na tropa e estava a dormir em casa quando ela o chamou:

- “Ó Toino, ó toino, andam-me a roubar os figos! Ó Toino, vai depressa senão ele come-os todos!”

Ele vai por ali fora, chega lá, começa:

- “Ah meu malandro, que eu trato-te da saúde!”

Quando se aproximou da figueira, é que viu que era um espantalho. Há coisas lindas! Esta foi mesmo linda!