Olhares sobre as festas anuais das aldeias

Para as pessoas que estavam um ano à espera daquilo, a festa era um evento, um acontecimento monumental! Era miúdo, mas não ligava muito àquilo. Mas, claro, um tipo com 9, 10 anos está é a crescer e ainda a ver o que é. Era um acontecimento!

Depois, mais tarde, não. Nunca pensei que gostava das festas. Adaptei-me a ouvir músicas actuais e coisas que eu gostasse. Ainda hoje em dia gosto de música pesada, mesmo barulhenta. Depois do dia de trabalho, um tipo está a tomar banho, está ali barulho, seja Rolling Stones, seja Pink Floyd, seja o que for. Sinto-me bem. É a libertação do peso diário.

Bailes no Piódão, nunca. Nem sei dançar nem nunca dancei. Mas, quer dizer, agora mais tarde, quando para aqui vim, claro, ia às festas anuais das aldeias, porque eu trazia conjuntos que, na altura, eram bons. Havia conjuntos que não valiam nada, mas imitavam. Um tipo estava lá, estava bem. Agora não. Agora já é só acordeonistas e não sei o que mais. Isso a mim não diz nada. Não aprecio e nem tenho vida para isso. E conheço aí uma pessoa com 90 anos, que nunca saiu do Chãs d'Égua (embora fosse oito dias ou um mês ou talvez um ano aqui ou acolá) que já me tem dito:

- “Ó António, estás a ouvir? Eu acho que estas bandas filarmónicas é uma ”charunfada“ que aquilo nunca valeu nada!”

E eu ponho-me assim:

- Ó Tio Manel, você tem razão! É que eu nunca gostei daquilo. Sabe porquê? Aquilo é um sopra para um lado...

Diz um homem que tem 90 anos e nunca saiu daqui. Mas é o que ele diz: não havia cá rádio, não havia televisão, não havia nada... Daí um ano à espera daquilo. Quando aí apareciam, fizessem o que fizessem, aquilo era palmas... É lógico, isso é uma coisa que é natural. A gente imagina como eles andavam naquele tempo. Há mesmo até essa história, da altura dos meus irmãos, aí há 40 e tal anos, de irem para as festas. Não tinham televisão, não tinham rádio, andavam eles, seis meses antes, ali sempre a pensar:

- “Há uma festa na Mourísia! Uma festa na Mourísia!”

Hoje temos música em casa, temos televisão, mas eles não! O que é que eles tinham? Não tinham nada! Tinha a rua, à noite, onde conversavam uns com os outros ou tocavam uma concertina. Por exemplo, tenho um primo meu que é bom a tocar concertina, outro se calhar tocava uma guitarra. Mas aquilo também chateava. E então eles andavam naquela: o acontecimento era a festa! Aí três meses antes:

- “Ih, a gente vai dançar!”

Quando chega a altura, quando havia um acontecimento desses, já era de camisa branquinha e tinha que ser passada a ferro. É coisa que hoje em dia quase ninguém liga, mas eles era a camisa a ferro. Iam eles todos vaidosos para irem ver as raparigas, porque não se viam como hoje. Na altura, as das outras aldeias andavam meias sem se verem. Estou a imaginá-los: eles a serrarem e a imaginarem-se lá já a saltar de um lado para ou outro! Quando chegavam lá, estavam lá mais homens. Mas aquilo devia ser lindo. Dormiam lá nuns armazéns. E os pais estavam lá ao lado. Os meus irmãos e os meus primos, às vezes, em conversas, contavam essas histórias. Hoje em dia não é assim. A postura e a maneira de ser do homem hoje, 40 anos mais tarde, é totalmente diferente. Pois, se uma mudança de 40 anos é assim, daqui a mais 40 anos sei lá. Isto vai ser uma doidice! Lá está a diferença da diversão que havia nessa altura para hoje.