“Iam amortalhá-lo”

Cá, o funeral foi sempre muito triste e continua. Não era bom. Até o toque do sino era feio como tudo. Vestia-se tudo de luto, homens, mulheres, tudo. Ainda se usava as mulheres andarem com um xaile a taparem a frente da cabeça, quase como usam os ciganos ainda. Os homens vestiam também de camisa preta e tudo. Agora já não.

Só há poucos anos é que têm aí uma casa mortuária. Primeiro era em casa. Era um bocado confuso. A pessoa morria, iam amortalhá-lo. Era vestido e velado em casa. Nessa noite, uma pessoa de cada casa ia ficar lá. Cada um ia lá pôr uma candeia a alumiar o morto, apesar de o azeite ser do familiar do defunto. Só saía de casa ao outro dia. O padre ia lá a casa com as pessoas todas buscá-lo. Saía e ia à igreja. Diziam a missa e essas coisas. Da igreja, ia para o cemitério. Levavam-no à mão. Agora também ainda levam.

Naquele dia, havia o funeral. Havia a missa e os ofícios. No fim, mandavam dizer missas. Havia pessoas, que estavam aí um ano a mandar dizer missas todas as semanas ao padre. Uma por semana. Por isso é que eu digo: Deus Nosso Senhor não veio cá dizer que não era preciso fazer aquilo. Naquele tempo fazia-se, porque havia muito padre e eles queriam o dinheiro. Agora não há padres, dizem que não é preciso.

Nestas terras à volta, era tudo igual. Morria uma pessoa qualquer nestas terras, quase tudo ia ao funeral. Ia-se longe. Eu fui a uns ofícios a Fajão. Pertence à Pampilhosa da Serra. Atrás dos Pardieiros há umas terras que é a Castanheira da Serra, Porto da Balsa, Ponte de Fajão e daí o Fajão lá em cima. É de outro concelho. Naquelas terras também se passou um bocado.

Quando era na altura das confissões, na Quaresma, vinham aí os padres confessar o pessoal. A Quaresma era em Fevereiro, a seguir ao Carnaval. Naquela altura, tudo tinha que se ir confessar ao padre. Aquele que não ia, já não era assim muito bem visto. Vinham aí sempre cinco, seis padres. Estavam aí três e quatro dias. Mandavam fazer ofícios pela alma desses que morreram. Punham-se a cantar na igreja. Punham lá uma coisa ao meio, como se lá estivesse o defunto, e eles ali a cantar em volta daquilo, em latim. Era tudo em latim naquele tempo. Lá limpavam, já naquele tempo, uns 600 ou 700 escudos. Pois, era assim. Ultimamente, já era isso que eles levavam.