“Os terrenos é tudo cavado à enxada”

Antigamente, viveu-se muito à base do gado, de cabras, da pastorícia. Quase todos tinham uma cabrada de 100, 150. Os filhos, os mais velhos, é que iam andando com elas. Quando saíam para qualquer lado ou se casava ou qualquer coisa, ia o outro a seguir. Era sempre assim que eram substituídos.

Era uma vida de trabalho. Sofreu-se muito aqui nesta terra. Ia-se ao mato à serra, trazia-se às costas, punha-se na loja a lenha e ali se guardava para queimar todo o Inverno. O mato, o estrume. O renovo era todo carregado às costas lá dos bocados para cima, para casa. O renovo que é o milho, vinho, batatas. Tudo isso a gente chamava cá o renovo. Era tudo carregado. Não é como agora. Não havia burro, não havia nada. Nós é que éramos o burro! Agora, há carro para tudo. A gente até o sal que punha na comida tinha que o ir buscar a Lourosa, a Oliveira de Hospital, a Avô, isso assim. Tudo o que era preciso ia-se lá. Três, quatro horas a pé, sempre. A vida cá era muito dura.

Basta dizer que aqui os terrenos é tudo cavado à enxada, tudo a pulso. Quando vinha aí Março, começavam-se com as sementeiras. Era cavar a terra, semear. Em Abril, começavam a sachar os milhos. Sachava-se, empalhava-se, “enleirava-se”, que cá o milho era “enleirado”. “Enleirar” era pôr estrume e calcar com um sacho para a água correr e não levar a terra, visto que são terrenos muito elevados e a água a regar levava a terra toda. Era esse trabalho. A seguir a isso, começava-se com a faina de regar os milhos, todas as semanas. Havia águas que era de poças. Havia aquelas águas que eram correntes aqui no rio. Cada um tinha o seu dia. Tapava-se e regava-se de oito em oito dias, mais ou menos. Nove, dez. Havia aí regadias com 17 dias. Fazia-se a vida, regava-se. Na parte do Verão, ia-se de manhã regar ou fazer outro trabalho qualquer. A vida aqui não era fácil. Aqui, era dura a vida.

Naquele tempo, na altura das sementeiras, de cavar as terras para semear o milho, ajudavam-se uns aos outros. Aqui pouco havia de dinheiros. Eu ia ajudar aquele a cavar a terra. Naquele dia tal, combinávamos, vínhamos todos para mim. Outro dia, íamos para o outro. Era assim a vida. Não havia cá dinheiros a pagar. Só no fim da época de se ter a sementeira feita, é que se juntavam:

-“Olha, andei tantos dias para ti e tu andaste tantos para mim. Há um dia de volta que tenho que pagar ou tens que tu pagar.”

Uma vida mais pura, que não é agora. Agora, cada um olha só para si e mais nada.

O trabalho era um bocadito puxado, o que é, entre todos, levávamos isto numa reinação. Supomos, íamos ao mato. Quando vínhamos, juntávamo-nos naquele sítio, onde se costumava descansar um pouco. Juntávamo-nos ali muitos. Conversava-se ali se estava um bocado bom. Daí, é que se vinha. Tornava para o outro lado até que se chegava a casa, à povoação, com o gado. Supomos, uns era para aqui, outros era para a Foz d'Égua, outros era para acolá. Cada um carregava o mato para o seu sítio. Ao fim, o estrume tornava a ser às costas. Era assim a vida aqui.

A vida aqui foi sempre muito dura. Agora, isto foi andando, foi-se modificando. Se a facilidade que há de estarem aqui na terra com empregos, houvesse nessa altura, isto nunca se teria despovoado como despovoou. Mas naquela altura não havia nada. A malta, conforme fazia 20 anos, 18, era obrigada a ir embora perguntar a vida. Assim, isto chegou ao que está. Hoje em dia, quer-se uma pessoa para trabalhar e não há cá ninguém da terra. Não há ninguém. Tem que vir tudo de fora por causa do abandono a que botaram as terras das aldeias. Ninguém puxava para cá nada nem o quê. Agora é que havia de haver cá a gente que havia naquele tempo. Era para trabalhar e era para se comer o que era bom, que aqui se produzia. Agora, tudo o que se come aqui vem de fora. O que era bom naquele tempo já lá vai.

Também houve uma parte que, para ganharem qualquer coisa de dinheiro para poderem comprar certas coisas, fazia carvão. Arrancavam aquelas torgas que há aí. O mato vermelho que dá flor, de que as abelhas fazem o mel. Aquilo era arrancado, era queimado numa cova e daí era ensacado. Ia para as aldeias grandes. Era para fazer o comer no tempo que se usava o fogareiro a carvão, antes de vir o gás. Aquele fogareiro para fazer os grelhados. Antigamente havia uns em barro. Levava ali o carvão em cima. Tinha uma coisinha assim em triângulo, onde se punha o tacho a ferver. Era assim feito o comer nas cidades. Nós, aqui, era com a lenha. Foi sempre o comer feito com lenha. Não havia outra coisa. Era pôr a panela ao lume, aquela panela de ferro com três pernas. Logo de manhã, era a primeira coisa que as mulheres faziam. As pessoas e o marido iam para o mato. Ela ficava em casa. Punha essa panela ao lume a ferver para cozer o feijão. Quando eles vinham, começavam a comer. Vinha-se do mato, chegava-se a casa, almoçava-se às oito horas, nove horas, à hora que chegasse. Ao meio-dia, outra refeição. À tarde outra e à noute outra. Eram quatro vezes que se tinha que comer.