“Cantava-se e dançava-se”

A procissão dos santos é a procissão de Nossa Senhora da Assunção que é o dia 15 de Agosto e há outra procissão, a festa do Santíssimo que é em Junho. Depois há a festa da Senhora das Necessidades que é em Setembro. Procissões bonitas, com música, andores, muitos andores. É bonito. Aqueles santos que estão nas igrejas, saem todos nos andores. Vão quatro homens com eles nas ruas. Os mordomos e as mordomas, nas vésperas que vai sair a procissão vão à igreja, tiram os santinhos, põem-nos no andor. O andor é enfeitado com flores em toda a volta. Depois são quatro homens e cada um pega em seu lado, ao ombro, e levam os andores na procissão. Vai a Irmandade, com a bata branca e o cabeção vermelho, e vem a música. Depois dão a volta à povoação toda.

O mordomo é o que faz a festa. São nomeados os que hão-de fazê-la para o ano. Assim os que fazem para o ano nomeiam os que hão-de fazer para o outro. O mordomo é o que dá as voltas para se fazer as festas. Depois dá a oferta. A oferta são uns tabuleiros que há grandes. Nesses tabuleiros põe-se um presunto, um leitão, um bolo, uma garrafa de uísque... Por acaso a minha neta levou um presunto, um pão-de-ló, uma garrafa de uísque, uma garrafa de vinho do porto, uma garrafa de vinho branco, um galo que levava assado, um presunto de carne fresca e um presunto dos outros e levava pêssegos. Depois quem quer lançar, lança aquilo. Vão lá, aquilo vai a leilão, quem quer comprar compra. As ofertas, todos os mordomos dão uma e há pessoas que prometem dar, por exemplo, um pão-de-ló. Mas os mordomos são quatro, todos dão uma oferta e depois, na festa ou onde for, vai a leilão e quem mais dá é quem leva. É para a festa.

Na festa dançava-se. Dançava-se muito. No areal, às vezes, era rodas por todo o lado a dançar. Vinham as da freguesia para cá quando era festa. Aquilo é que era dançar. É toda a noite. Uma vez, o padre veio cá e não deixou dançar o dia 15 de Agosto. Depois ao dia 26 foram buscar a música do Barril, aquilo é que foi dançar. Fomos a dançar até ao fundo da povoação. Ai aquilo é que era. Eu nunca me esqueço destas coisas. A música dizia assim:

- “As raparigas da Benfeita podem dançar nas pontas dos espetos.”

Cantava-se e dançava-se e não havia problema. Também não havia maldades. As raparigas e os rapazes que andavam viam que não havia maldades dessas coisas.

“O lenço que tu me deste trago metido no seio
Com medo que desconfiem de onde este lenço me veio.
O lenço que tu me deste foi feito do teu cabelo
Por mais que veja e reveja nunca me farto dele.
Todo ele era de cambraia, o lenço que furtaste
Parece que ainda estou vendo a agulha com que o bordaste.
O lenço que tu me deste tinha um ramo em cada canto
Os ramos dizem saudades por isso te eu quero tanto.
O lenço que tu me deste tinha um coração no meio
Desde que à jura faltaste eu fui ao lenço e rasguei-o.
Juraste-me amor eterno, minha alma acreditou
Que amor eterno foi ele que tão depressa acabou?
Juraste-me amor eterno, de seres meu até à morte
Desde que à jura faltaste nunca mais hás-de ter sorte.
O meu coração é grande é o que tem valido
Se ele fosse mais pequenino
Já há muito tinha morrido.
Se eu de saudades morrer apalpa o meu coração
Talvez ele torne a viver ao calor da tua mão.
Se eu de saudades morrer que a estrela da boa sorte
Ilumine o meu caixão para que Deus me conforte.
Apertei na mão um sorriso da tua boca formosa
Quando fui a abrir a tua mão estava toda cor-de-rosa.
Eu queria ser violeta entre uma folha escondida
Por ti queria ser cortada no teu peito ser metida.
Ó violeta formosa florida no jardim
Só espero de me ver bem um dia ao pé de ti.
O cravo que me enviaste era tão lindo e morreu
Morreu queimado de beijos que tu lhe deste mais eu.”