“Gostava de conviver com as pessoas”

Gostei de ser carteiro. Se não gostasse, não ia para aquilo. Eu gostava de conviver com as pessoas. Na área que eu andava, conheci muita gente. Tínhamos que ir à porta de todos, porque não havia caixas como agora. Só mais tarde, quando fui para Avô é que já havia. Naquelas quintas não era preciso ir à porta. Metia nas caixas. A gente enfiava lá o correio, pronto. Uma categoria! Mas muito conversei. Fui sempre muito falador. E gostava de conversar. Por causa disso, dava-me bem com toda a gente. Toda a gente lá gostava de mim. Até cá vieram várias pessoas visitar-me. Às vezes, convidava aqueles velhotes:

- Vocês não querem dar um passeio até ao Piódão?

- “Ah, pois vou, pois vou!”

E vinham! Vinham de Avô para Pomares, Sorgaçosa, andavam ao cimo da Moura, Piódão e depois iam aqui por lado da Vide. Era um rally! Cheguei a trazer o Presidente da Junta de Avô, o regedor e o guarda-rios. Era o senhor Ernesto. Tudo vinha. Eu dava-me bem com aquela gente toda. Não tenho escândalo de ninguém.

Às vezes, as pessoas pediam para ler, porque não sabiam ler:

- “Se fizesse favor, leia-me esta carta.”

Nem era permitido, mas a gente tinha de lhes fazer a vontade, senão, coitados... Dar a saber a vida deles a outras pessoas, que, às vezes, não queriam. Por vezes tinha de acontecer isso. Mas o nosso dever não era andar ali a ler cartas a ninguém. Só quando as pessoas pediam é que a gente lia. Era assim. Passou-se.