“Desde o ano de 1670 e tal”

Isto tem à volta de 800 anos. A freguesia já está formada desde o ano de 1670 e tal. Há 300 e tal anos. A religiosa! Só mais tarde é que começou a funcionar a Junta de Freguesia. Mas ninguém sabia ler. Porque é que cá queriam uma Junta? Não sabiam ler para fazer nada. Um tio meu, o padre Miguel, foi dos primeiros presidentes de cá. Esteve três anos como Presidente da Junta. Depois, já apareceram mais. Antes de ele ser pároco cá da freguesia, houve muitos. Havia uns que até eram de Chãs d'Égua. O padre agora é natural de cá, mas está a viver na Moura da Serra. Tem lá a freguesia da Moura e tem aqui o Piódão. Mas já não pode andar. Tem idade, coitado. É muito amigo de cá vir, porque é a terra dele. Naquela, não tem mais ninguém. Os pais já faleceram. Tinha uma irmã, mas também faleceu.

O Piódão agora é muito diferente do que era antigamente. Não tínhamos cá nada! Não tínhamos uma estrada, não tínhamos telefone, não tínhamos quem nos trouxesse uma sardinha, não tínhamos quem trouxesse fruta, não tínhamos quem trouxesse nada! Fruta, só provávamos da prata da casa. Das árvores que aí havia. O que havia de mais fartura era queijo. Toda a gente tinha cabras e ovelhas e tudo. E já não era pouco, já era bem bom. Sardinha, só pelas festas! Tinham de ir às feiras de Lourosa e Avô buscá-las. A feira da Vide só começou mais tarde. Aquelas que não traziam sal, botavam-lhe sal. Punham-nas em cima dumas carquejas - elas já eram meias secas - e assavam-nas. Tinham que dividir uma por dois, porque eram famílias de oito e nove pessoas e mais. Não havia televisões, entretinham-se a fazer filhos.

Agora é mais fácil a vida. Então não é? Primeiro, a gente usava a prata da casa. Os homens eram como os barrancos para mudar as pias dos porcos. Agora, há aí alguns que não mudavam nada. É tudo “rebentões” que andam a estudar. Nem podem pegar em nada. Sujar as mãos? A nós, não sujavam as mãos. Eram calos que eu sei lá. Vêm todos cansados. Os meus não. Era assim a vida! Agora é mundo novo, agora está tudo diferente, não falta aí nada.

Para mim, o Piódão significa tudo. É a minha terra. Ou a bem ou a mal, sinto-me cá bem. E para viver é um sossego. Eu tenho ido, de vez em quando, a Arganil, a Coimbra e tudo. O ambiente lá é muito diferente. É bom para quem lá é criado. Mas para mim, o melhor é aqui o Piódão!