“Como era a mais velha, tinha que guardar os meninos”

Como eu ainda era pequena, não ia para o campo. Mas, às vezes, como era a mais velha, tinha que guardar os meninos. Lembro-me muito bem de uma das minhas irmãs. Quando a Conceição morreu, já tinha eu 7 anos e ela 4 aninhos. Só gostava era de andar na água! Lá na moita, quando andavam a regar, a menina andava sempre água. Também me recordo que ela, um dia, partiu uma tigela onde se comia a sopa. Naquela altura, já havia pratos, mas todo o mundo tinha a sua tigela, umas tigelinhas pequeninas. Ela partiu-a e a minha mãe disse-lhe assim:

- “Ó Conceição, como é que tu me partiste a tigela?”

- “Então, estava a lavar a loiça e ela caiu!”

Nessa altura, também havia uma senhora ao lado, minha tia, que ficava com as crianças. Antigamente, no Verão, era tanto trabalho, tanto trabalho, que as pessoas iam a essa senhora e ela cuidava dos meninos todos! Não era como agora. As senhoras tinham a vida delas, tinham que cultivar os terrenos, e depois iam pôr os meninos àquela senhora. Chamava-se Maria dos Prazeres e, coitadinha, era solteira e também estava sozinha. Punham-lhe lá os berços. A casa dela era só berços para um lado e berços para o outro! Era uma casa pequenina, mas ela lá cuidava de todos. Nunca aquela senhora mostrou má vontade a ninguém. Aceitava todos os meninos que lhe lá fossem pôr.

Nesse tempo, eu e os meus irmãos brincávamos todos. Era jogar às pedrinhas e ao lenço. Às pedrinhas, fazia-se uma covinha pequenina na terra e todos tínhamos as pedrinhas nas mãos. Eram pedras pequeninas, tudo igual. Depois um atirava para lá a pedra, outro atirava outra. O que acertasse na cova é que ganhava. E ao lenço faziam uma roda e diziam:

- “Aqui vai o lenço, aqui fica o lenço.”

E não se podia olhar para trás. Onde ficasse o lenço, o outro que o tinha é que dava outra vez a volta à roda.

Depois, quando comecei a ser mais crescida, os meus irmãos também eram maiores e já ficavam sozinhos. Então, ia ao mato mais a minha mãe. Ela fazia-me uns molhitos pequeninos e eu levava-os. Também guardava as minhas cabritas, as que os meus pais podiam ter. Eu lembro-me muito bem que, às vezes, ia sozinha com as cabras, mas mesmo no mato não tinha medo. Trazia sempre o terço e rezava e cantava as canções e os versos da Nossa Senhora. Pedia-lhe que me ajudasse, que protegesse as minhas cabras, que não viesse nenhum bicho levar alguma. Pois, nesse tempo, havia os lobos. Já não é de minha lembrança, mas antigamente havia. Quando o gado andava aí nos montes, iam às cabras e levavam-nas.

Com o leite das cabras e das ovelhas a minha mãe fazia o queijo. Ainda me lembro e, se fosse preciso, ainda o fazia hoje. Quando o leite chegava a casa, havia uns paninhos branquinhos, para se pôr em cima da panela, para não irem cabelos. Coava-se, ficavam aqueles ciscos, aquelas coisas, no cimo do pano e o queijo estava limpinho. Depois, tínhamos que coalhar. Punha-se-lhe um produto que chamamos nós de cardo. É uma planta com a flor roxa que se apanhava e com isso é que o queijo coalhava. Quando começava a aparecer um bocadinho de líquido amarelo, era quando o queijo já estava bom. Era tão bom! E comê-lo fresco na mão? Eu nem sei dizer. Se o de agora assim fosse... Mas já há tantos anos que não tenho cabras. E, se calhar, já nem há quem as tenha e quem faça queijo.