“Tive que aprender de cor”

Andei na catequese porque era uma coisa que eu pedia. Lá fiz questão que eles me deixassem ir à catequese. A catequese era à noite numa salazinha junto à casa do senhor padre. O senhor padre António Alves Matoso tinha um irmão que era José Alves Matoso, que era bispo da Guarda e estudaram aqui, um e outro, o princípio dos estudos foi aqui no Piódão. E ele dizia-me:

- “Francisquito, não ouviste dizer que houve lá um seminário?”

- Ai o meu pai disse-me que houve lá um seminário com o senhor Cónego Nogueira que é um grande homem que por ali passou. Um dia ainda lhe hão-de pôr uma estátua, que ele bem que a merece.

Então depois vim para aqui. Quando cheguei foi quando o senhor padre António era sacristão e foi para o seminário. O padre que cá estava disse:

- “Ó Francisco, diz ao teu pai se eu posso ir falar com ele.”

E o meu pai: - “Diz ao senhor prior que venha falar com o pai. Diz que venha. Se não estiveres lá com respeito na Igreja já sabes que levas.”

E ele então foi lá. Chegou lá:

- “Olhe eu vinha aqui pedir-lhe para se deixava ir o seu Francisquito para sacristão. Porque o Antonito da senhora Albertina vai para o seminário.”

Era lá nosso vizinho. Os meus pais até eram compadres da mãe deles. Eu até lhe porquê que eram compadres. Era porque tinham baptizado um irmão que morreu, também era Francisco, que eu já não conheci.

Na altura eu andava a guardar um miudito, uma irmã minha que era mais nova que eu, chamava-se Conceição.

- “De manhã vai fazer assim o que tem para se fazer, depois precisas de ir tratar das coisas dos animais e assim, mas pela hora do calor vai lá a minha casa e a minha tia toma conta da menina, da irmãzita, da Conceição, para eu o ensinar.”

O meu pai só disse:

- “Ouve lá, queres ir aprender? Se queres vai porque o saber não ocupa lugar, mas depois já é para cumprires como deve ser. Depois já sou eu que te exijo.”

Então eu fui para sacristão. Depois tive que aprender de cor. Eu sempre fui muito dedicado à Igreja. Desde miúdo que me puxava muito para as coisas da Igreja, desde pequeno já era enfim uma inspiração que o Espírito Santo me deu. Então aprendia de cor. Na altura era tudo em latim. Nós chegávamos ali e “Hospitalitatem nolite oblivisci, per hanc enim latuerunt quidam angelis hospitio receptis”. E eu não sabia muito bem o que eles queriam dizer, mas aprendi aquilo ao pormenor. De sacristão ia ajudar à missa. Ia tocar para a missa. Ganhava na altura 120 escudos por ano e 25 tostões dos baptizados e 5 escudos dos casamentos. O que é faziam-se muitos baptizados que eram famílias numerosas. Portanto aqui o Piódão na altura era capaz de ter umas 350 pessoas. Tinha muitos casais novos. Famílias numerosas.