“Botas de pneu”

Uma ocasião, cai um nevão grande, tão forte que houve uma semana que ficamos nas Minas, não viemos. Eu vinha sempre os fins-de-semana, mas nesse fim-de-semana ficáramos lá. E depois viemos no outro. Chegáramos ali onde eram as águas Ceiras. Ali havia neve que eu sei lá, mas andavam mais pessoas dos Chãs d´Éguas homens que até eram muito meus amigos e eles já sabiam o trilho, aquele caminho que a gente pisava todos os dias. Não se via o caminho mas eles sabiam o trilho que estava calcado e não era tão fácil a gente cair. Mas eu, já sabe, mais novo toca a andar. Cheguei ao cimo de Chãs d´Égua aí então é que não se via nem uma peneda, nem giestas. Havia lá um giestal grande dantes, giestas da grossura de uma perna, e estava tudo debaixo da neve. Eles vinham e traziam umas botas de borracha altas atavam-lhe uns panos por cima e a neve não entrava. Eu trazia umas botas de pneu e entrava a neve dentro. Aquecia, derretia e ficava a chocalhar dentro. Eu virava-as e saía, pronto. Safei-me bem. Eu trazia lá uma gabardinazinha velhinha. Chego em baixo, embrulhei-me na gabardina deitei-me a rebolar, a rebolar por ali abaixo. Por cima da neve a rebolar, mas o tronco anda mais que os membros, são mais largos. Quando ia de cabeça para baixo parava outra vez. Quando cá cheguei abaixo chamam a Chã, em Chãs d´Égua, dali para baixo já comecei a ver moiteiro, mato, penedas e assim. Depois já se via o carreiro, a neve já estava ali a derreter mais um bocadinho, porque em cima não dava o sol não derretia. Então venho para baixo a olhar e eles estavam lá para cima, ainda ao pé da serra, pareciam mosquitos com um pau. Cheguei cá em baixo, havia lá um senhor numa tabernazinha, o senhor Zé Moreira, por acaso eram muito meus amigos. Ali em Chãs d´Égua sempre fui muito estimado. Era uma gente muito hospitaleira, muito hospitaleira mesmo. É pena agora haver pouca gente. Andava lá um senhor comigo, Manuel Bernardino, que me deu muito apoio, foi um segundo pai para mim, ele ajudou-me muito. Depois fiquei lá e ia muita vez com ele. Dá-me sempre bons conselhos, animava-me e assim. Então cheguei cá em baixo ao Zé:

- Ó ti Zé pese-me aí um bacalhau.

Era a 12 escudos o quilo mais ou menos. Pesou-me um bacalhau.

- Arranje-me aí um alguidar.

Desfiei o bacalhau.

- Agora arranje-me aí uma cebola se faz favor.

E foi-me buscar uma cebola das dele.

- E agora arranje-me aí meio litro de azeite.

Foi-me buscar um copo de azeite à pia. Aquilo vinha parecia a flor da mimosa, coalhado. Teve que o pôr dentro de um tacho para descoalhar. Descoalhou, eu já tinha o bacalhau desfiado. Ficou ali maravilhosamente. Quando eles chegaram:

- Andem cá. Ponha aí 2 litros de vinho e uma laranjada dentro de uma cântara. Andem cá que já está aqui o petisco.

Ó rapaz, ainda hoje me está a saber aquele bacalhau. Depois daquela caminhada e daquele ar frio ainda hoje me está a saber.