“Tão pequeno queres ir servir?”

Os meus irmãos andavam a servir e eu, com 7 anos, também quis ir servir. Ainda me recordo.

Andava um senhor. O senhor Manuel da Assunção. Ele via mal, coitado, não podia andar a trabalhar e andava a pedir. E então eu disse:

- Olhe, se houver quem queira lá um criadito, diga-lhe que há cá um rapazito que vai servir.

Ele lá disse e um dia apareceu ali com um senhor do Pisão de Côja que era sapateiro. Os meus pais andavam a fazer uma cavada. Eu fui à procura do meu pai. Andava para lá do cemitério. Chamei, chamei ali às casas, a seguir ao cemitério assim adiante às Eiras Cerquinhal.

- Olhe venham depressa que está lá um senhor para me levar.

- “Para te levar para onde? Tão pequeno queres ir servir?”

- Então os meus irmãos também andam a servir e o pai para comprar o milho tão caro...

Não se encontrava um alqueire... Um homem ganhava aí 20 escudos a trabalhar de sol a sol e era quando aparecia o dia 18, 20 escudos e um alqueire de milho chegou a 100 escudos. E era encontrá-lo. Nós e muita família humilde. Deus deu-me essa grande inspiração de eu querer aliviar os meus pais. Os meus pais vieram.

- “Mas ainda és pequeno, não vais! Olhe, ele é pequeno não o deixamos ir.”

- “Estejam descansados, eu trato-o bem.”

Então ele veio do Pisão de Côja para a Vide na bicicleta a pedais. Fôramos a pé daqui para Vide, depois levou-me no selim da bicicleta. Ele a pedalar e ao outro dia esteve um dia ou dois de cama. Eu era miúdo com 7 anos, mas era assim forte, era gordinho. Nunca tinha visto carros. Ainda me lembro quando passei na Ponte das Três Entradas.

- Eh! Olha ali uns carros tão grandes!

Ou umas camionetas. Eu todo admirado que nunca tinha visto carros. Nunca tinha daqui saído. Depois estive lá quase três anos. Fui para lá tinha 7, tinha feito 7 há pouco e sai de lá tinha feito 10. Porque a minha mãe deu uma queda. Eu gostava de lá estar. De dia, de manhã era ir buscar ou lenha ou um bocadinho de mato para a cama das ovelhas. Davam-me comida e depois era vestir e calçar e 100 escudos por ano, 100 escudos por ano era quanto eu ganhava. E depois desses três anos vim porque o meu pai foi lá e pediu.

- “Olhe a minha mulher caiu, deu uma queda e eu não tenho lá os outros meus filhos, também estão a servir e eu agora precisava dele para me ir tratar de umas cabritas que eu lá tenho.”

Também tínhamos cabras e ovelhas, era costume. Tinham sete, oito cabeças cada pessoa.

- “E roçar o mato. A minha mulher não pode e eu também não e agradeço que mo deixem levar.”

Ele disse: - “Também cá precisávamos dele, gostamos cá dele, mas é seu filho. Você como pai está em primeiro lugar.”

Mas depois ainda me lembro estavam lá pessoas.

- “Não vás, diz que não vais.”

Disse: - Eu gostava de cá estar mas também tenho pena da minha mãe.

E vim. Ainda me lembra que viéramos do Pisão para Côja, que é perto, depois apanhávamos a camioneta para Pomares e de Pomares a pé para aqui. Eu estive lá três anos e só cá vim pela Páscoa. Isso é que eu dizia logo ao meu pai:

- Peça aos meus patrões que me deixem lá Domingo de Páscoa porque se não deixam eu vou-me embora, não estou cá nem mais um dia.

No Domingo de Páscoa íamos cumprimentar os padrinhos, convivíamos e depois no dia seguinte lá ia eu, às vezes a pé. Cheguei a ir algumas vezes a pé daqui para o Pisão de Côja.