“Recuperação por mim”

Comecei a andar a sentir-me mal, andei num médico meia dúzia de dias e disse-me:

- “Olhe não tem coração, não está nada bom. É a veia da aorta não dá ar suficiente ao coração. Tens que ter muito cuidado, muito cuidado, não te preocupares muito, não te esforçares demais.”

A partir daí eu tive o enfarte, estive no hospital Egas Moniz, estive lá um mês em cardiologia. Depois eu disse:

- Eu vou mas é para o Piódão, porque eu estar aqui no jardim...

Morava na rua do Olival, próxima das Janelas Verdes, mas o barulho transtornava-me. Passavam os comboios em baixo. Eu gostava, mas... Passam os comboios, passam os carros, parece que era um vidro a raspar-me numa ferida. Disse ao médico:

- Ó senhor doutor eu ia para a terra.

E ele disse:

- “Ah não vais, precisas de muita assistência.”

Estava na altura depois reformei-me com 5 contos e 160 escudos e tomava todos os meses, além do orçamento, 2 contos e 700 escudos em medicamentos, todos os meses. Eu cheguei a um ponto vim para aqui, começou-me a aparecer assim manchas assim aqui nas pernas no peito, nos braços e eu disse ao doutor, na altura era doutor Cosme disse:

- Senhor doutor não é eu estar-me a antecipar, mas olhe que isto eu ando a tomar medicamentos há tanto tempo e o organismo já se está a sentir. Isto já deve ser efeitos.

E ele concordou.

- “O melhor é parar.”

Dá-me mais umas coisas, depois parei com aqueles medicamentos e comecei a fazer uma recuperação por mim. Na altura isto era tudo castanheiros. Havia uma vereda à eira. Foi em 1980 aí há 28 anos. Ia por alguma veredazita, ia para lá, às vezes, de noite faltava-me o ar. Levava uma camiseta vestida, uma t-shirt e levava uma toalha, levava uma garrafa de água, duas sandes e ia para lá. Chegava a ir para lá às vezes aí às quatro da manhã. Ia devagarinho, sentava-me lá. Aquele ar dos pinheiros, em Julho. Aquele ar dos pinheiros... E depois já não me sentia bem estar parado. Comecei a andar havia lá uns pinheiros. Estavam novos, não tinham ardido. Eu tinha comprado aquela sorte ao senhor padre António, que ele foi para a Moura e vendeu o campo. E depois começava a mondar um pinheiro, via uma pedra tirava. Aquilo estava cheio de silvas, comecei a mondar umas silvas. Fui a Arganil, na altura era 18 escudos, acho que era ir e vir 18 escudos nessa altura, agora já é para cada lado já é 3,85 euros. Ia lá trouxe umas pitazitas, elas iam lá apanhar pinhões ali assim. Comecei a fazer uma recuperação por mim. Já se sabe sempre com muitas dores muita coisa, mas bem.

Depois com o reumático também ainda andei no Instituto de Reumatologia, andei lá há uns 20 anos. A doutora dizia:

- “Ah senhor Francisco, tenho pena porque todos os remédios que toma atacam o coração e os rins e você sofre muito, mas olhe só toma isto quando se vir mesmo aflito.”

Entretanto deu-me umas injecções para aliviar os ossos e eles agora dizem-me que os ossos estão completamente queimados. Conforme o gelo queima as plantas assim também o reumático queima os ossos. E tenho sofrido muito. Tive um enfarte cardiovascular e já tive duas tromboses.

Em 80 fui lá a Lisboa fiquei entalado entre duas camionetas na traseira de uma e outra, estive três meses hospitalizados na altura. Fracturei a bacia, parti 12 costelas, deitei sangue pela boca e já lá estive 12 dias no Hospital de São José no, quer dizer, morre agora, morre logo. Não davam nada por mim. Todo inchado, todo coiso. Ainda fui a caminho da morgue porque eu estava sem sentidos.

Como ainda me safei depois estive três meses no desterro. Depois a companhia de seguro deram-me como curado porque não fiquei com cicatrizes exteriores, mas ficou dentro. Tanto que o enfarte que tive o devo a isso. Fiquei sempre a dormir mal, sempre com dores, com muitas dores. É assim.