Havia a matança dos porcos, era muito bom, a burzigada. Era bom porque era assim: juntavam-se as famílias mais próximas. Recorda-me os meus tios, até o pai da minha prima, chamava-se Zé Mestre. Ainda me recorda o meu pai na altura ia lá, ele também sangrava, chegou a matar uns porcos. Éramos miúdos. Quando era a chamuscada era o povo a andar e a gente andava a ver chamuscar. Depois tiravam-lhe aquelas unhas. Aquilo aquecia-se, tirava-se fora e depois a gente todos contentes íamos apanhar. Ficávamos ali. Quando o penduravam, pronto, passavam, apartavam. Apenas o penduravam depois de estar preparado, abriam, aparavam um bocadinho do sangue. O sangue era cozido num caldeiro, a gente espremia um bocadinho de sangue com um bocado de broa, sabia-nos tão bem. Ai, eu gosto muito daquele sangue que sabíamos que eram animais que andavam cheios de saúde.
À noite, depois da ceia, os homens, as pessoas adultas, estavam na mesa sentados. Aquilo era um banquete autêntico e ficava barato. Era assim: abria-se o porco, tirava-se a suã. Depois chegava lá a mulher da casa:
- “Olhe corte-me aí um bocado da suã.”
Sangravam e cortavam-lhe logo um bocado. Cozia um bocado da suã. Faziam os tostelos. Chamam os torresmos, outros chamam-lhe tostelos. Depois faziam aquela parte ao pé da sangria, um bocadinho daquelas costelazinhas, chamam o entrecosto. Aquilo que ainda tinham, cortavam e faziam um arroz. Coziam uma panela de batatas. Às vezes, as pessoas tinham pouco vinho. Tinham aí só um pipito de 50 ou 60 litros, mas guardavam para esse dia sempre uma pinga. Aquilo era só meio quilo de arroz que iam comprar o resto era tudo assim de casa e comiam. Depois acendiam a braseira, porque geralmente matavam sempre no tempo frio. A gente, os miúdos, de volta da braseira os miúdos, os homens estavam na mesa, contavam anedotas. Aquilo era uma alegria. Depois a carne era salgada. Os presuntos punham-nos no sal, salgavam-nos e depois era o governo do ano. Houve um ano que o porco em casa dos meus pais, morreu. Quando era no dia de Natal, dia de Janeiras, dia de Carnaval, os meus tios cada um lá ia levar uma chouricita e um bocadinho de carne salgada. Era carne salgada, olha davam um bocado de carne. Naqueles dias chegavam, cortavam um bocadinho para eles e levavam-nos também, porque o nosso tinha morrido, para que naqueles dias uma pessoa não sentisse a falta. Era importante.