Comecei muito cedo a trabalhar. Andei aí a acartar latas de resina, na floresta. Era nas serras, do outro lado, ao cimo de Soito da Ruiva. Andei lá muito tempo. Aquilo era por conta do Estado. Eu, praticamente, pouco cortei mato porque me mandaram para a cozinha. Cada um tinha que levar o seu comer, para cozer lá. E uma panelita. Às vezes, até era um pucarito de barro. Era uma carreira de panelas de um lado, outra do outro, assim por aí fora. Às vezes, eram às 50 e mais. E a carreira da lenha ia pelo meio para as panelitas ferverem. A gente fazia o comer ali assim. Cada uma levava aquilo que podia. Não era todos igual. Era o que podia levar, naquele tempo. Mas íamos de manhãzinha e só vínhamos à noite, não havia oito horas, era de sol a sol.
Quando comecei a acartar resina era nova. Tinha aí uns 15, 16 anos, se calhar. Não me lembra assim muito bem. Ia também de noite para as lojas, para as mercearias. Era em frente à minha casa. E era outra que era do pai do Lourenço, o meu primo. Era o meu tio que tinha lá uma loja. Para aqui não vinha nada. Não havia estradas! A gente tinha que ir a Vide ou a Pomares buscar a mercearia para depois vender aqui nas lojas. Eram umas sacas de 70 quilos, que não vinha assim empacotado como agora. Dividíamos uma saca por duas, para trazer às costas. Aí uma média de 35 quilos. Não os pesavam mas era mais ou menos. Ainda era um bocado bom para cá. Ia a pé. Não havia estradas! Agora não sei quanto tempo demorava. Para lá ia-se mais depressa que se ia sem nada, mas para cá eram umas três ou quatro horas, se calhar. A gente tinha que ir poisando o carrego e descansando. Ai, foi muito dura a vida. Depois aqui vendiam um quilo ou meio quilo, conforme a pessoa precisasse e pudesse comprar. Ainda agora dizem que é mau, e é, mas nesse tempo também não era bom.
Já em Lisboa íamos buscar soutiens a uma senhora, que tinha uma fábrica de fazer soutiens, e a gente fazia em casa e ia levar. Tinha e tenho uma máquina de costura. Tenho-a no sótão, ainda. Agora custa-me, é que já não vejo muito bem. A vista tem falhado muito. Mas fiz muitos soutiens. Gostava de fazer aquilo, parece que está a enfiar chouriças por ali fora. Porque não se faz um soutien, um de cada vez, que se começa e se acabe. Senão isto não dava nada. Faz-se o cós por baixo e depois faz-se as caixas. E depois vão-se pegando as caixas na máquina. Tudo pegado, só depois é que se corta com a tesoura as linhas, que estão a separar uns e os outros. E as alças na mesma. Aquilo leva muito trabalho um soutien. Às vezes, até digo assim:
- Olha, quem os aí vê nem sabe o trabalho que isto dá.
A gente não fazia só um. Metia às dúzias de cada vez. Quando acabasse um, acabava uma dúzia. Ia-se fazendo assim. Só quando estivesse tudo pronto é que estava uma dúzia feitos, ou isso. Naquele tempo era uma ninharia de dinheiro que se ganhava, mas pronto. Até foi uma senhora que ainda lá mora, que me ensinou. A mim e a mais. Íamos à Buraca, ainda era bastante longe, que eu morava no Feijó. Depois foi uma senhora lá de Almada que me deu trabalho para casa. Não fiz mais nada.
Depois disso nunca trabalhei. Tratava da casa. Depois também vieram os filhos. Naquele tempo não tinham creches assim como agora. Para a gente se empregar não dava para pagar também. Depois é que andei assim um tempo que andei no “vai-e-vem” porque o meu pai adoeceu aqui. Esteve três anos entrevado. A minha mãe já não podia sozinha. Ele também já ía com 70 anos. Eu é que tinha que andar para lá e para cá. Era oito ou 15 dias lá, 15 dias aqui. Ou um mês lá e 15 dias aqui. Era assim para ir aguentando num lado e noutro. Porque a filha também ainda estava a estudar naquela altura. Foi assim um bocado complicado, mas tudo se fez com boa vontade.