“Não morei sempre aqui no Piódão”

Não morei sempre aqui no Piódão. Estive 30 anos, lá baixo, em Lisboa. Quando me casei fui-me embora para lá. O meu marido trabalhava em Lisboa. Já lá estava, mas não havia muito tempo. Depois casámos e eu fui. Eu casei no dia 22 de Junho e fui no dia 30 para Lisboa. Estive lá 30 anos e depois vim outra vez.

A adaptação a Lisboa foi assim um bocadinho complicado. Uma pessoa ia à vontade daqui. Como a casa era grande, éramos só os dois, os meus pais e nós, o meu irmão e eu. Quando fui morar para lá fui para a Amadora. Já era uma casinha assim mais ou menos, com três divisões, uma varanda grande, um corredor, uma despensa e a cozinha. Mas éramos três mulheres. Cada uma no seu quarto, todas a cozinhar na mesma cozinha. Nessa altura tinha 21anos. Quando fui para Lisboa, fui logo para essa casa. Mas a gente tinha que fazer o comer na cozinha e comer lá ou então levá-lo para o quarto e cada um comia no seu. A casa de banho também para os três casais. Uma era minha cunhada, que é de Côja, e outra senhora, que lá estava, era lá não sei de onde. Depois essa senhora arranjou casa lá para Lisboa e ficamos então as duas, eu e a minha cunhada. Depois já ficou ela com um quarto e eu com outro, e o outro quarto fizéramos uma salinha para lá comermos. Como éramos família já comíamos ali assim todos juntos.

As saudades da família também foram bastantes. Estive na Amadora, depois em Alcântara e depois no Feijó. Do Feijó é que eu vim para aqui. Mas antes de vir para o Feijó ainda estive na Pampulha, lá na zona de Santos, em Alcântara. E depois de Alcântara ainda fui estar outra vez na Amadora. Mas não tenho saudades nenhumas de lá. Porque tinha um filhinho com seis anos e caiu lá dum terceiro andar por dentro da escada até cá abaixo e morreu. Isso foi muito duro.

Deixei muitos amigos. Nunca tive problemas com ninguém, graças a Deus. Sempre fui estimada por toda a gente e também sempre estimei as pessoas. O dia-a-dia era assim: era lavar a roupa e fazer o comer. Não havia máquinas. Era à mão. E era assim a vida. Aos domingos ia-se dar uma voltinha quando o marido podia, que às vezes até aos domingos tinha que trabalhar, quando aparecia trabalho. Íamos dar uma voltinha com os miúdos.

O meu marido trabalhava na Lisnave, na CUF. Primeiro era CUF e depois passou a Lisnave. Viemos para cá quando se reformou. Já estamos no Piódão há uns 20 anos se calhar. Mas também não me lembra de Lisboa. Nunca mais lá fui. Tenho lá família da banda do meu marido. Tenho lá umas irmãs dele e sobrinhos e outras em Leiria. Estão fartas de dizer para ir lá. É como se nunca lá estivesse estado. Não há grandes saudades. Não sei porquê também. Gosto de estar aqui. A gente aqui é um pé em casa outro na rua.