“É a minha terra”

Os habitantes daqui chamam-se “Balseiros”. Isso é os nomes. A Benfeita é os “Balseiros”, os de Côja são os “Bezerros”, os da Cerdeira são os “Lambazes”, os de Arganil são os “Pintassilgos”... É assim. E para cima mais nomes há, mas eu já não sei. Sei que há esses apelidos, mas não sei donde eles vêm.

Íamos à fonte buscar água à cabeça num cântaro. Não havia água em casa. Para lavar a roupa, íamos à ribeira. Não havia máquinas. Íamos à ribeira com a roupa lavar e corar, pôr ao sol. Usávamos sabão, sabão azul, sabão cor-de-rosa, era o que havia. Depois começaram a pôr as águas. Cada um fazia a sua casa e quem queria e podia mandou pôr a água em casa.

Também não tínhamos luz. Primeiro, quando eu era nova, antes de ir para África, não. Tínhamos uns candeeiros a petróleo. Fiz o meu enxoval à luz daqueles candeeiros. Para nos aquecermos, tínhamos as lareiras. Em casa dos meus pais houve sempre um fogão de lenha, mas também tínhamos lareira. Acendíamos o lume na lareira, no chão. O que não faltava aí era lenha. Há para aí muitos pinheiros. O meu pai mandava pôr a lenha em casa. A luz já foi posta depois de eu estar em África. Eu não estava cá quando se pôs a luz.

No meu tempo, havia pouco açúcar. Quando foi o meu casamento, o que valeu foi o meu marido trazer de África arroz e açúcar. Graças a Deus não faltou que ele também trouxe. Foi no tempo da guerra. Havia cá muita falta. Era racionamento de pão, de açúcar e de tudo. A gente não podia comprar o que queria. Era racionado. Era só aquele bocadinho para cada um. Mas tínhamos broa. A minha mãe todas as semanas cozia oito e nove broas. Peneirava a farinha. Farinha de milho e farinha de trigo. Depois, punha a levedar e ia cozer no forno. Tínhamos sempre tudo com fartura. Curtia-se azeitonas para se comer todo o ano, fazia-se vinho para todo o ano... Tudo bom. Melhor que agora. Tudo são. Agora é tudo só à base de produtos mas, naquele tempo, não.

Antigamente, vinha o médico de Côja a cavalo. Ia para a serra. Não havia carro. Auscultava a gente com uma toalha turca nas nossas costas. Não havia auscultadores como há agora. Se a gente precisava de ser auscultada nas costas ou assim, punha uma toalha turca e com o ouvido dele é que vinha auscultar. Naquele tempo, era assim.

Cá, havia dois senhores barbeiros. Um era José Augusto e o outro era José Maria. O Zé Maria até era meu vizinho e esse José Augusto teve a barbearia onde o meu pai pôs o comerciozito. Não eram médicos. Foram enfermeiros na tropa e trouxeram aqueles conhecimentozitos. Este Zé Maria era muito entendido. Era sim, senhor. Dava um bom enfermeiro se tivesse seguido a carreira. E o outro também. Mas este Zé Maria era muito porco. O outro, o José Augusto, era uma pessoa asseada. Os dois eram bons. Eram boas pessoas.

A Torre da Paz é em cima, onde está Santa Rita e o Senhor dos Passos. Essa é que é a Torre da Paz. Dá 1600 badaladas no dia que acabou a guerra. Fizeram assim o sino, não sei. É para comemorar com certeza esse dia. Continua a ser a Torre da Paz por causa disso, porque está a anunciar o fim da Guerra Mundial.

Costuma haver feira aqui. Costumam ir a Arganil e a Côja. A Côja, agora, é só uma vez por mês, mas a Arganil todas as semanas há gente que vai. Quando era criança, havia todos os meses. Fui muitas vezes à feira do Mont'Alto e aqui a Côja ao mercado. Já não me lembro o que trazia de lá. Sardinha e as compras que a minha mãe me mandava fazer. Ia a pé. Não havia carros como agora há. Fui lá muita vez a pé. Íamos de noite para lá chegar de manhã. Depois, as compras, com certeza que carregávamos com elas.

A Benfeita significa muito para mim, porque é a minha terra e gosto muito de cá estar e de trabalhar. O que é, já não posso, já não tenho idade para trabalhar muito, mas sempre gostei muito de trabalhar. Não me via a viver noutro sítio. Agora gosto de estar aqui.