“Todos trabalham sem haver barulho”

Antigamente havia uns 14 moinhos que andavam a moer de dia e de noite! Depois alguns moinhos eram, por exemplo, de cinco ou seis herdeiros, outros de três ou quatro e todos lá coziam. Começavam à segunda-feira e era até sábado à meia-noite! Só folgava ao domingo. Davam para toda a gente mas, quando era na época de Verão, é que era pior, porque a água era pouca. As pessoas, se queriam moer depressa, descarregavam-lhe mais grão. Às vezes tinham que estar ali três ou quatro horas para os porem a trabalhar. Mas os moinhos paravam, porque não davam despacho à farinha debaixo da pedra para fora. Agora, quando era no Inverno, a água chegava para todos. Era uma roleta! A gente já sabia quando era a nossa vez de ir ao moinho. Por exemplo, eu ia moer à segunda-feira, outra pessoa ia moer à terça, e outra ia à quarta. Depois havia moinhos que era de seis dias, moinhos que eram de nove dias e moinhos de 12 dias. Esses eram de 12 pessoas. Daquelas 12 pessoas todas moíam naqueles 12 dias. No dia 13 já começava outra vez o primeiro a moer. Depois continuavam mais 12 dias. E depois ia outra vez para o primeiro. Chamavam “andada”. Cada um sabia o dia que ia moer.

Com os fornos era igual. Deitavam-lhe o lume à segunda-feira e só paravam ao domingo. Nos outros dias andavam sempre a cozer. À segunda-feira começava a dar as vezes - chamavam eles “a dar as vezes”. Hoje cozia eu e mais uma ou outra pessoa. Depois, de trás, coziam já mais duas ou três pessoas. E assim se juntavam e iam cozendo. Andavam toda a semana a cozer broa! Para distinguirem o pão que ia para os fornos ao mesmo tempo, punham-lhe um sinal. Por exemplo, se eram três a cozer, uma fazia um buraquito com o dedo, outra apertava um bocadinho a massa - chamavam-lhe o belisco - e a outra ia lisa, sem nada. Já sabiam: as do buraco eram minhas, as do belisco eram de outra senhora, as que iam sem nada eram de outra. E assim se distinguiam as broas.

Agora, com os regadios, ainda é assim. A rega também está dividida por horas e cada um tem os seus dias para regar. Temos regadios que são de 15 dias. É certo: se calha a primeira vez à segunda-feira, até ao fim da rega é à segunda-feira. Se calha à terça-feira, por exemplo, é sempre à terça-feira; se calha à quarta, é sempre à quarta. Mas há outros regadios que deitam dias à frente. Temos um de 16 dias e outro de 17. A levada de 16 dias, por exemplo, se calha à segunda-feira, para a outra vez já calha à terça. E à terceira andada já calha à quarta-feira. A levada de 17 dias, que fica em baixo da povoação, se desta vez entrou para o giro à terça-feira, para a outra já entra à quinta. Depois, para a outra vez, entra ao sábado e, para a outra, calha à segunda. Já vai alternando dois dias em cada andada. Cada período de 17 dias aumenta dois. Faz de conta que eram 17 pessoas. Cada uma regou naqueles 16 dias. No dia 17 já é era o primeiro outra vez. Cada pessoa só pode regar naqueles dias ou naquelas horas que tem ou pode trocar com outro. Por exemplo, se o que rega à terça-feira tem água a mais, troca com outro que rega depois daí a oito dias. E, para a outra terça-feira, trocam outra vez: um dá a um, outro dá a outro. Cada um rega as suas propriedades à vez. Mas, nestas três levadas, a água está sempre a correr de dia e de noite e chega para todos. Há uma que se vê a correr entre as casas. De manhã tapavam uns até à meia-noite. Da meia-noite até ao meio-dia era de outro. Do meio-dia às 13 já é de outro. Das 13 às oito já é de outra pessoa. E, assim, o de adiante já sabe a que hora há-de tapar. Não é preciso ir procurar o vizinho e chiar com o assunto. Chega àquela hora, vai tapar para o que é deles. E assim todos trabalham sem haver barulho uns com os outros. E agora ainda menos, porque não regam de noite. Dantes estava tudo cultivado, tinham que regar de dia e de noite. Mas agora não está a terra toda cultivada. Já não é preciso.

Naquele tempo, juntava-se mais o povo. Por exemplo, à noite, iam para minha casa e debulhávamos 20 ou 30 alqueires de milho. Amanhã íamos para casa de outro, a mesma coisa. Depois, ao outro dia, para casa da outra. Então, cantavam! Aqui pouco usavam isso, mas havia terras que, quando aparecia uma espiga vermelha, começavam a dar beijos uns aos outros. Era assim: um dia para um, outro dia para outro.