“À moda da terra”

Fizemos um casamento à moda da terra. Mataram umas cabras, trouxeram uns convidados e fizeram uma festa. Comer e beber! Ir lá à igreja. Era o essencial. Eu ia vestido com o normal. Fato e gravata. Ela também ia toda pinoca. Levava um xaile, que ainda o lá tem. Até a filha gosta muito dele. É um xaile de merino, que era o luxo daquele tempo. Levava um lenço chinês na cabeça. Uns lenços que havia. Não sei se levou esse, se eram uns que havia doutra coisa. Mas foi assim. Lá fomos. E já há 51 anos! Lutámos muito, por causa destas peripécias. Estas saídas da terra e aquelas lutas lá com a habitação. Foi muito difícil. Depois, os meus sogros adoeceram aqui. Foi o pior. Morreu-nos o miúdo, foi muito difícil. Do resto, a gente tem andado. Acho que a vida melhor que a gente tem é agora. Só que agora estamos cheios de caruncho. A mim, deu-me a doença, mas tive sorte. Deixou-me as pernas e os braços bons. Alguns nem isso. A cabeça é que ficou um bocado falhada. Eu sei que está. Sei ver a diferença. Sei que também tenho algumas melhoras. Estive sem falar. Já não esperava continuar. Nem ninguém da família já esperava que eu fosse acima. Mas fui... Agora até digo que ando a enganar o mundo. Eu sei e ela também sabe que eu não ando bem.