Atrás de um balcão, uma questão de paciência

Estive num balcão. Cheguei a um ponto que até tomava conta do bar, que pertencia a uma leitaria, porque tinham confiança em mim. Era no Largo da Dona Estefânia. O bar era uma coisa e a leitaria era outra e havia os empregados. Então o dono para lá não meter muitos empregados perguntou-me se eu não me importava de abrir quando pudesse, que eu tinha a chave.

- Eu não me importo de cá andar sozinho.

- “Você venha quando quiser, abra à hora que puder e feche à hora que puder.”

Mas aquilo tinha matraquilhos, aquelas coisas de jogar com uns bonecos. Aquela rapaziada saía dos trabalhos, ia tudo para lá e toma, toma, toma. Eu cheguei a sair de lá à uma hora da noite. Era novo e tinha mais paciência. Às vezes, também jogava e entretinha-me ali. Mas havia um eléctrico que passava lá mesmo à uma hora, ao pé do bar, no largo, que vinha para Santo Amaro ao pé da Alcântara, para as oficinas, e que trazia o pessoal das oficinas da Carris. E eles até, às vezes, paravam um bocado. Àquela hora, mesmo que lá estivessem:

- Eh pá embora, que eu tenho que me ir embora!

Punha-os até fora o resto, porque era demais. À uma hora é que eu tinha de vir. Podia fechar mais cedo mas eu à uma hora é que tinha que apanhar aquele transporte, senão tinha que alugar um táxi ou qualquer coisa para vir para casa. Lá tinha um quarto, que aluguei para dormir. Era um andar de um senhorio, que era de uma territa vizinha, Vale do Torno. Esse senhorio tinha lá um prédio grande e eu vivia num andar com mais três ou quatro quartos. Cada qual tinha o seu quarto. E eu vivi lá muitos anos. Enquanto estive a morar em Lisboa estive sempre ali naquele quarto. A casa era ao pé de onde hoje é o Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas na altura, era lá o quartel-general do exército. Eu como ainda era novo, às vezes, ia jogar à bola com os soldados.