“Andámos sempre de baixo de carregos”

Trabalhei muito. Fui buscar muito carrego onde chamam agora a Mata da Margaraça. Antigamente era Mata da Relva Velha. Eu e muitas pessoas íamos lá buscar madeira para um senhor que havia no Piódão e que fazia cestas. A gente ia-lhe lá buscar os molhos da madeira às costas para aqui. E mais carregos que ia buscar lá longe, muito longe! Fui trabalhar para Cebola, que agora dizem que é a Aldeia de São Jorge. Acartava pedras. Era dois homens a pegar, um de um lado e outro de outro, nas pedras e a porem às costas da gente. E eu e outras mulheres a carregar com elas para as casas que andavam lá a fazer. As mulheres também trabalhavam nisso. Que remédio tínhamos nós. E para ganhar 6, 7 escudos por dia. Andámos sempre de baixo de carregos!

Também ia do Piódão a Pomares levar o correio que houvesse na aldeia. Ia levá-lo a Pomares e depois trazia e entregava onde havia a caixa do correio. Eu não o distribuía, só o levava. Ia de manhã muito cedo! Saíamos daqui direitos a Sobral Magro e depois tínhamos que subir uma povoação que chamam Porto Silvado. Depois Vale do Torno e depois Pomares. Era muito longe, mas fazia-o sozinha! Não era perigoso, graças a Deus. Se fosse agora era pior. Naquele tempo, isto há mais de 50 anos, não. Sei lá com que idade comecei, ainda era nova. Mas não havia estradas e eu ia a pé e descalça! Saí muita vez da minha porta para fora a enterrar-me logo na neve até aos joelhos. Depois ia descalça fazer esta volta toda enterrada em neve. Agora o Inverno é o céu! Mas antigamente é que era Inverno mesmo. Para nos aquecermos, arranjava-se lenha e acendíamos o lume.

Já fui muita vez a Lisboa, mas trabalhar não, nunca lá fui trabalhar. Os meus irmãos foram, mas eu ficava na aldeia a ajudar os meus pais. Fiquei, porque os outros eram mais velhos, foram indo primeiro. Casaram-se e tudo e foram-se embora. Ainda tinha um irmão mais novo, mas esse também foi. Só fiquei eu. E depois ia-me embora e deixava os meus pais sozinhos? Cheguei a ter um numa cama e outro noutra, entrevados. E eu tinha que cultivar para eles e para mim. Deixava os meus pais desprezados? Não! Vivi com eles até morrerem. O meu pai vai fazer para Novembro 48 anos que morreu e a minha mãe fez 44 em Março. Eles morreram e eu cá fiquei. Enquanto pude, cultivei alguma coisinha para comer. Agora é que eu não posso fazer nada disso. Não posso trabalhar. Tenho uma pequenina reforma e assim me vou governando.