Espírito Comunitário

Nem toda a gente tinha forno na aldeia. Havia um forno, que ainda há, que era da povoação e havia mais fornos particulares. A gente, às vezes, ia a esses fornos também. Eram as pessoas atrás umas das outras. Por exemplo, agora íamos lá e procurávamos a pessoa que cozesse primeiro:

- Olhe, já há muita gente?

- “Olha, estão duas vezes ou estão três vezes fulano e fulano!” - dizia ela.

Então, a gente tomava vez atrás dessas pessoas. Eram muitos a cozer o seu pão no forno. Mas a gente conhecia o que era nosso, porque cada uma punha um sinalzinho no seu pão. A gente tendia a broa, punha na pá e havia um senhor a pôr lá para dentro para o forno. Eu, por exemplo, deixava ir sem nada. A vizinha fazia-lhe um buraquinho. Outra fazia com a mão um coisinho - dizíamos que era o belisco. Depois, quando saíam, cada uma sabia as broas que eram suas. Cada um cozia aquilo que entendia. Conforme a família era, assim se cozia a broa. Onde eram mais pessoas tinha que se cozer mais, onde era menos cozia-se menos.

Os moinhos também assim era. No tempo que eu me criei, havia aí muito moinho. Mas cada qual tinha o seu tempo para ir moer o milho. Havia um moinho, que era o Moinho da Ponte. Os meus pais, por exemplo, tinham todas as semanas o dia e a noite naquele moinho. Portanto, era de nove dias em nove dias que nós lá tínhamos o dia com a noite. Havia outro que era no mesmo sítio, só que era por cima. Aí só tínhamos de três em três semanas ou o dia ou a noite. E era assim. As pessoas tomavam sentido quando era o seu tempo e iam moer no tempo de cada uma. Por exemplo, eu hoje tinha o dia com a noite e ia moer o meu tempo. Amanhã já era de outra pessoa. E ao outro dia já era de outro. Dava a roda. Moíamos farinha para esses dias todos.

Para regar era a mesma coisa e ainda agora se rega assim. Anda a água no rego ou na levada. Eu, por exemplo, tenho cinco horas de água. Vou regar aquelas minhas cinco horas. Outra atrás tem outras cinco. E cada uma rega a seu tempo. Por exemplo, eu posso tapar às oito até à uma hora. Outra pode tapar à uma até às duas ou até às três horas. Ainda hoje é assim e, por mim, nunca tive chatices com ninguém.

No meu tempo, ajudávamos uns aos outros. Por exemplo, quando tínhamos que colher o milho, as batatas, o feijão, as uvas para casa, eu precisava que uma pessoa me fosse ajudar. Depois, se eu fosse precisa às outras pessoas, também ia ajudar.