“Fui soldador”

O encarregado das oficinas de reparação de navios, em Lisboa, perguntou se havia alguém cá da terra interessado em trabalhar lá. Ele era de cá também e o meu pai já lá tinha trabalhado. Um indivíduo que já morreu disse:

- “Ah, está aqui um rapaz, o filho do Abel.”

- “Amanhã, que vá lá ter comigo, à Rua do Giestal, que eu dou-lhe trabalho.”

Para lá fui. Estive 24 anos. Não tinha habilitações. Mas como tinha um bocado de habilidade, fui-me ajeitando. Fazia trabalhos, abria canais. Eles tinham um serviço de soldadura que pagava mal. Cada soldador que para lá ia, estava um mês ou 15 dias e vinha-se logo embora, que o ordenado não lhes servia. O patrão disse assim:

- “Está aí o Gaspar que é jeitoso. A gente manda-o aí ao ar líquido.”

Era na Quinta do Almagem, onde faziam o enchimento de garrafas para contra-incêndio e para soldar, nos navios. Mandaram-me lá tirar o curso de soldador. Ainda me passaram o diploma em português e francês. Depois, deixaram de passar em francês, para não terem pernas para ir lá para a França. Trabalhava a eléctrico e com as garrafas. A gente usava uns pós para soldar. Era tudo acabado em “ox”: colpox, agirox e não sei que mais. Comecei-me a ajeitar, de forma que fui soldador enquanto lá estive. Tinha habilidade.

Em Queluz, há uma mata com um muro, que parece um cemitério, com um índio pintado à Sporting, para tirar a água lá para as regas. Uma vez, fui lá soldar a chaminé da casa, que estava rota. Levava umas botas de borracha. Aquilo tinha um bocado de musgo e estava molhado. Eu tinha um alicate na mão e a máscara na outra. Deslizou-me, lá vai o Zé para baixo! Tinha dois telhados. Eu estava mais alto na chaminé. Caio para o de baixo, aquilo estava podre, abriu um buraco. Mas ainda tive sorte. Estavam telhas lá a pino. Matava-me mesmo. Mas ainda tive sorte, porque haviam uns pregos que me prenderam o fato-macaco. Amorteceu-me a pancada. Fracturei umas costelas. Andei lá no seguro. Depois vim para aqui com 44 anos, ainda na flor da idade...