“Guardar um rebanho de cabras”

Depois, estive aí uns dias a ajudar os meus pais. Veio, então, um indivíduo ali de Ceiroco - pertence à Pampilhosa da Serra - para guardar um rebanho de cabras. Estive lá dois anos.

Eles até gostavam muito de mim. Um dia, o velhote, o patrão, que já tinha 70 e tal anos, apareceu, à tarde, à porta dos meus pais. Foi no Verão, no mês de Agosto. Perguntou-me:

- “Ó Zezito - chamavam-me o Zezito - quem é que te mandou embora?”

Havia um contrato. Ganhava 50 escudos por ano. Tinha de levar três molhos de mato por dia para a junta de bois, dos porcos e da cabrada. Todos os dias de manhã a gente ia botar os molhos de mato. O contrato era: se me mandassem embora, tinham de me pagar os 50 escudos ao fim do ano; se eu me viesse embora, por minha autorização, não tinham nada que pagar. Ora, a primeira coisa que ele perguntou foi “Zezito, quem te mandou embora?”.

- Ninguém.

Ele disse-me:

- “Amanhã, vais comigo!”

Digo:

- Vou, sim senhor...

Como aqui a lomba custa a subir, ele disse:

- “Vamos cedo, que depois não sou eu que subo a lomba.”

Lá fui com ele. Saímos daqui ao romper da manhã. Chegámos eram dez horas. Aquilo é longe! É quase ao pé da barragem de Santa Luzia. Lá comi. Todos os anos, de Janeiro a Dezembro, era uma panela de batatas cozidas, amassadas com o garfo, com azeite e um bocado de toucinho dos porcos. Tinha um palmo de altura:

- “Ou comes ou deixas ficar!”

E lá fui outra vez deitar as cabras. Estive lá mais um ano.

Havia uma rapariga, que já morreu agora, que era afilhada do patrão. Estava lá a tomar conta das cabras. Era uma brincalhona do diabo! Cheia de vida. Fartava-se de rir.

Depois de um ano, o meu pai não me deixou. E eles que tanto lhe pediram:

- “Ó, senhor Abel, deixe ficar o rapaz...”

- “Não deixo, não deixo...”

Eu depois disse:

- Ó pai, porque é que você não me deixa?

Por eu ter vindo embora, quando mataram lá os chibos. Vim para aqui. Estive aí uns dias e disse:

- Isto aqui não é vida!

Na altura, a rapaziada andava toda nas minas. Disse aos meus pais que ia para lá também. Já lá andava o meu irmão a trabalhar:

- Vou também para as minas.

Mas em vez de ir para lá, fui ter com os outros. Quando cheguei, tinha um moço a guardar o rebanho. A cadela, claro, conheceu-me logo. Veio logo ter comigo. Cheguei lá e enganei-os:

- “Então, tu por aqui?”

- Vou para as minas. Vim por aqui.

- “Não! Tu ficas é cá!”

- Ah! Não trouxe roupa nem nada...

- “Vestes da nossa!”

E assim estive. Fiquei lá a dias a apanhar milho e a trabalhar na fazenda. Já me pagavam 8 escudos por dia. Estive lá duas semanas. Quando veio a inspecção para a tropa, eu fui. Resolvi sair de lá.