“Pessoas de valor”

Fui um dos fundadores da Comissão de Melhoramentos. Foram duas pessoas, que já morreram, que não tinham cá nada no Piódão. Mas vinham cá e viam que nós não tínhamos água, não tínhamos luz, não tínhamos telefone, não tínhamos carreira, não tínhamos completamente coisíssima nenhuma. Quando se vinha de Lisboa, tinha de se ir ali para Pomares ou para Vide e depois trazer as coisas às costas. As famílias levavam e buscavam as coisas quando a gente ia. Na altura, ainda se levavam algumas coisas. Cultivavam-nas e levavam para Lisboa. Depois, o grupo lá em Lisboa disse:

- “Isto não pode continuar! Temos que arranjar uma Comissão de Melhoramentos. Há outras aldeias que já têm. Só através da Comissão de Melhoramentos a gente faz alguma coisa! Se não, nem Câmara, nem Juntas, ninguém faz nada!”

Fez-se então aquele grupo. Eram pessoas de valor. O secretário era o encarregado do Arquivo no Alfeite. Convidaram-me para tesoureiro. Não sei porquê. Mas estive lá 18 anos. A primeira coisa que fizéramos foi a cabine telefónica, onde está agora o restaurante. Puseram uma cabine na rua. Mas aquilo não estava bem na rua, levaram para casa do padre, que era onde está agora aquela garagenzinha, junto à igreja.

Veio a luz e a água. Esse indivíduo que estava lá no Arsenal do Alfeite disse:

- “Se vocês quiserem dar 50 escudos cada um, eu ponho um chafariz para nós.”

Que é o que está em baixo. Déramos 50 escudos cada um e ainda sobraram 15 escudos. Ainda hoje está de pé. Depois, pusemos - não foi Câmara, nem Junta, foram os moradores daqui - outro fontanário. Mais tarde, veio a distribuição da água. A água era pouca. Fizemos um reservatório de 75 mil litros. Vão buscar água aqui em cima à serra. Vem mesmo lá do alto. Mas eu não gasto água da rede. Têm aí quilómetros de mangueiras até lá diante ao cemitério. Passa lá pelos reservatórios, não pode ser muito boa. A minha vem direitinha da mina. É uma maravilha.

O presidente da Câmara, o Dr. Maia Vale, tinha boas relações com o comandante da Engenharia de Espinho. Veio para aí uma brigada de militares com as máquinas. Abrimos uma auto-estrada desde aqui do alto até à barragem de Santa Luzia. Aquilo é um espectáculo. Uma estrada que é a coisa melhor que há cá na serra. O contrato era alimentá-los, alimentar as máquinas e as peças que se utilizavam. Eu ia duas e três vezes por semana a Côja, que aqui não havia nada, buscar alimentação para eles. Eles queriam tudo dentro da validade. Adoravam peixe vermelho. Eram um bocado esquisitos. Havia lá dois sargentos. Um era mais ou menos. Mas o outro era um bocado esquisito. Houve um dia que uma máquina perdeu uma ripa, aquele gancho que escava. Na altura eram cento e tal contos. A Câmara teve de entrar com isso.

Arranjou-se também um estradão desde o alto até baixo, para virem cá duas carreiras, uma vez por semana. Agora estamos pior que há 40 anos. Só vem cá uma. Aqui no alto da serra, há umas voltinhas para baixo e para os autocarros eram um problema do Diabo. Arrastavam com a traseira. Nós fizemos aquela variante direita até lá adiante. Está ali que é um espectáculo! Este ramal de estrada aqui - que a gente diz do cemitério - também foi aberto no meu tempo.

Fizemos a casa para o Posto Médico, para o regedor. Na altura, ainda havia regedor. Era um salão para a Comissão de Melhoramentos e uma casinha para a professora viver, que ninguém queria cá estar porque não havia estradas, não havia nada. E assim se foram fazendo umas coisas. Mais tarde, vieram outros melhoramentos. Como não tínhamos televisão, pôs-se o retransmissor ali em frente para o primeiro, segundo e terceiro canais. No meu tempo, quando tomei conta da Junta, não tínhamos, e ainda hoje não temos, TVI. Fizemos umas coisas. O regadio da levada do povo é uma maravilha. Rega esta área toda. Temos arranjado aí as ruas. Na aldeia de Malhada Chã, ainda lá arranjei um campo de futebol e em Chãs d'Égua, fizeram-se umas coisas em dois mandatos, que se vê bem que o Presidente da Câmara gostava do Piódão.

Quando saiu - que ele perdeu logo ao primeiro mandato - vieram outros. O dinheiro, que foi atribuído, gastaram noutras aldeias. E “pia aqui” não gastaram um tostão. Estavam até atribuídos 150 mil contos para a rectificação das curvas aqui na serra. Estoiraram o dinheiro por outros lados e ainda estão as curvas na mesma como estavam nessa altura. E assim se foi andando.