“Fui para as obras acartar massa às costas”

Depois fui para Lisboa com 14 anos. Estive lá 40 anos. Vinha cá na mesma. Às vezes, vinha cá só no Verão, ou, às vezes, não vinha. Morei em tantos lados. Não morei em casa de ninguém. Era sempre em particulares. A casa não era minha, pagava renda. Numa pagava 50 escudos por mês. Nunca tive casa minha. Quando fui novo morava onde davam de dormir.

Fui para as obras acartar massa às costas, com os baldes aos ombros por aquelas escadas fora. Depois, andei um ano, não quis cá vir, fugi ao meu pai que ele batia-me muito. Fui-me embora. Fartava-me de trabalhar. Chegava de noite a casa farto de trabalhar, depois de manhã às cinco horas fazia-me ir tratar dos bois e ainda queria um molho de mato à porta para pôr debaixo dos bois. E tudo de noite! E eu fugi. Em Setembro, num sábado fui embora para Lisboa. Nesse Inverno passei lá uma crise, mas disse:

- Bem, antes quero morrer, que ir lá para a terra.

Lá me aguentei. Depois vim cá no outro ano, pelo Natal. Antigamente não se podia estar em Lisboa pelo Natal. Em primeiro, só havia muito trabalho no Verão, do mês de Março em diante. Quando chegava a Novembro o Salazar cortava o preço de vender os andares. Os que eram vendidos por 60 contos, quando era pelo Inverno só se vendia por 30. Ora a gente tínhamos que fugir. Ir apanhar a azeitona, cavar as oliveiras, semear umas batatas e depois em Março voltávamos para Lisboa. Lá se ganhava o dinheiro. No Inverno ninguém tinha onde ganhar o mês. Nem aqueles comerciantes. Pagavam quando calhava. Não havia lá ninguém ao mês como agora. Era uma vida que não era nada fácil.