O trabalho

A primeira coisa que fiz foi andar aí no campo, com uma enxada a cavar a terra e a guardar cabras. Eu comecei a trabalhar e a ir guardar cabras aí à volta dos 6, 7 anos. Ia para a escola, mais ou menos nessa altura. A escola, é como eu digo, vinha cá a professora, estava um mês e ia-se embora, nunca mais cá aparecia! E às vezes nem vinham para cá as professoras. Do meu tempo a maior parte das pessoas não sabem ler, nem escrever.

Trabalhava-se muito, não havia horários para ir trabalhar. A gente começava a trabalhar de manhã, às seis, até dar o sol, até ser de noite! No tempo das regas, em Agosto e Julho, era de noite e de dia! Por isso é que a gente fugia para qualquer lado. Tínhamos aqui as Minas da Panasqueira perto. No meu tempo foram para lá muitos. Alguns ainda saíram de Lisboa para ir para lá e iam outra vez embora. Depois aquilo também acabou. Estive lá em 1942 e 1943, já era o número 4284. E havia mais para cima. Havia muita gente ali, aquilo era uma autêntica cidade. Embora em casas pequeninas, dormíamos lá nuns quartinhos, dois numa cama. Eram umas tarimbas. Punha-se umas carquejas por baixo e uns cobertores por cima e dormíamos sempre naquilo. Aconteceu comigo.

Para casa a gente vinha de 15 em 15 dias porque, por exemplo, eu vinha domingo e sábado, tinha que pegar, por exemplo, na segunda-feira de manhã. As minas trabalhavam 24 horas. Eu trabalhava quase sempre das quatro à meia-noite, da meia-noite às oito e das oito às quatro. E a gente trocávamos, por exemplo, eu ia pegar à tarde e ia às tantas horas, arranjava uma pessoa para ficar por mim ao princípio do trabalho e do dia seguinte.

Uma vez, por curiosidade, até deu uma história muito engraçada, eu cheguei a ficar no Piódão e um irmão meu foi-me lá levar o comer, para gastar menos. Havia aí batatas, umas couves e tal. Não gastava tanto dinheiro. Esse meu irmão foi lá e eu disse:

- “É pá vais trabalhar por minha conta hoje. Que eu hoje vou ficar à terra mais um tempo.”

O meu irmão foi, diz logo o encarregado, por acaso era um gajo muito porreiro que era de uma terra chamada Casegas:

- “Então e o teu irmão?”

- “Ai eu venho por ele!”

- “É pá vai-te já embora, nem que eu pague ao teu irmão...”

Morreu lá muita gente com aquelas pedras.

- “Se há qualquer coisa antes quero pagar o dia ao teu irmão do que vires trabalhar!”

Chegou à conclusão que não podia ficar.

Nas Minas da Panasqueira trabalhava lá dentro. Aquilo era volfrâmio. Era uma companhia inglesa Beralt Tin e Wolfram Lda.. Andava lá a cavar com martelos, a trabalhar madeiras lá dentro e apanhava o volfrâmio. Pessoas do Piódão estávamos perto de 20. Depois foi cada um para seu lado, aquilo acabou. Era aquele ordenado, fazia oito dias trazia oito dias, fazia 20 trazia 20 dias. Nessa altura recebia 13 escudos e 600 centavos, em 1943. Era o ordenado por dia. Trabalhava oito horas. Era muito trabalhoso. Íamos a pé. Não havia transporte. Não havia carros.