“Não sabia como havia de ir para casa”

Eu não conhecia nada de Lisboa. Fui o primeiro dia com o meu marido. Ele já conhecia, porque já tinha andado a vender fruta, quando havia falta de trabalho. Foi comprar-me um cesto muito grande e um cabaz de fruta, de laranjas, e disse:

- “Vais começar a vender no bairro onde eu trabalho. Lá é que tu vais começar a vender, porque é gente muito rica e há poucos estabelecimentos. Eu conheço já lá bastantes pessoas e levo-te a casa. Bato à porta e digo que és minha mulher. E vais lá começar a vender!”

Era o Bairro da Penitenciária, onde ele estava empregado numa garagem. De maneira que fui o primeiro dia. Eu, com o cesto, e ele a subirmos escadas e a descer. Vendermos até depressa o cesto das laranjas e acabarmos lá no Bairro da Penitenciária. Ele conhecia aquilo tudo muito bem e viemos para casa. Nós vivíamos na Baixa, na Calçada do Lavra. Ao outro dia fui sozinha. Eu via muita gente da freguesia que vendia na Praça da Figueira, que era pertinho de onde eu morava. O meu marido disse:

- “Olha, agora vais por esta rua que encontras logo gente que vai para a praça. Depois vais pela Rua do Alecrim acima, direita ao Largo do Rato, Rua Artilharia 1 e começas ali assim a vender.”

Tudo muito bem. Mas eu, aquele dia, não acabei de vender lá e fui por a Rua Marquês da Fronteira abaixo até ao Bairro Azul. Acabei lá a fruta, mas depois fiquei a ver navios. Não sabia como havia de ir para casa. O que é que me lembrou? Havia o eléctrico que vinha de Sete Rios e ia para a Baixa:

- Ah, vou atrás do eléctrico.

Isto parece de uma parvinha, mas eu não era parva. Fui atrás do eléctrico, cheguei à Baixa e vi a Rua das Pretas. Era lá que eu vinha, naqueles dois dias ou três que estava em Lisboa, aviar-me a um lugar de frutas e batatas. Pensei:

- Ah, já sei onde é!

Vejo o Largo da Anunciada. O Elevador do Lavra vinha ter mesmo ao Largo da Anunciada.

- Pronto, já estou safa!

Mas uma vez, ainda acabei a venda mais longe! Andei, andei, andei e fui ter ao Campo de Santana. O Elevador do Lavra, que era onde eu morava, vinha até ao Campo de Santana, mas eu não socorri que era ali a rua. Fui por a Calçada de Santana abaixo e fui ter à Baixa. Ali, na Baixa, já era um bocadito atrapalhada. Mas vim para trás e disse:

- Ah, aqui é a Praça da Figueira!

O meu marido trabalhava na Rua Eugénio dos Santos, que começava ali:

- Ah, é para cima!

Pronto! Quando ele me viu a vir de baixo para cima, disse:

- “Então, de onde é que tu vens?”

Digo assim:

- Então, olha, perdi-me. Em lugar de vir por aqui, fui por ali. Mas, pronto, já cá estou.

Éramos raparigas novas. Tudo nos desenrascava. É giro.