“Havia muita criança na aldeia”

O ambiente em minha casa era bom. Todos os dias se rezava o terço à noite. O meu pai era muito religioso. Muito amigo de ler. Ele lia, lia, lia... Morreu com 86 anos e lia sem óculos! Era muito amigos dos filhos. Às vezes, bebia assim a sua pinguita e a minha mãe não gostava. Mas, se a minha mãe ralhava comigo, por eu estar com as colegas, com as raparigas e demorar-me assim mais um pouco, o meu pai dizia:

- “Cala-te! Que ela vê mais a dormir que tu vês acordada!”

Na infância, antes de ir para a escola, nós éramos tantas miúdas, tanta criança. E o que é que a gente fazia? Brincávamos umas com as outras. Fazíamos cartas de papéis e jogávamos as cartas. Os números eram feitos em papéis ou, outras vezes, em pedras. Lembro-me que havia um jogo que a gente chamava os três berros. Gritávamos, as crianças escondiam-se e, depois, íamos à procura delas. Também jogávamos à macaca. Fazíamos um boneco no caminho, com umas divisões. Depois, com uma perna no chão e outra no ar, sem a deixar cair, atirava-se para aquela figura, para os quadrados, para ganharmos. Agora acho que já não se faz, mas eu ainda joguei à macaca. É bastante antiga. Era assim as brincadeirazitas. Havia muita criança na aldeia e nós éramos todas amigas. Tudo muito amigo.

Eu ainda não tinha a idade de sair da escola, mas já ajudava a minha mãe a guardar as cabritas e as ovelhas, a ir à lenha para a fogueira, que não havia fogões, e a ir ao mato para os animais. Conforme as forças, fazia tudo: semear batatas, milho, feijão e pouco mais. Agora é que está tudo relva, mas antigamente era tudo cultivado. Tinha de ir para as fazendas e para os montes com o gado. Nunca vi nenhum lobo, mas havia! Vi espantarem-se as cabras, começarem a bater a sapateta e fugirem, porque os viam. Isso vi! Dava-lhes o cheiro e tinham medo. Depois, vínhamos embora, porque elas vinham à frente de nós e só paravam na povoação.