Um castigo injusto

Eu estava há um dia na Aeronáutica na Avenida da Liberdade. O General pertencia ao Conselho Administrativo, que era na cave. Eu estava lá sentado e vem aquele senhor por ali abaixo. Olha para mim e eu olho para ele, mas não me levanto, porque ali passavam civis e eu não me ia levantar a um civil, nem fazer-lhe continência. Então eu digo assim:

- Estava a olhar para mim, já estou tramado.

Ele vem para baixo, eu levantei-me e diz-me ele:

- “Que é que estás aqui a fazer?”

- Sou chofer do Conselho Administrativo.

- “Então, e não me conheces?”

- Saiba Vossa Excelência que não. Estou aqui há dois dias e não o conheço.

- “Mas eu conheço-te a ti. Então, para me ficares a conhecer vou-te dar cinco dias de detenção.”

E deu: “Puno com cinco dias de detenção o soldado condutor, auto 13353 do Grupo de Companhias Trem Auto, por eu ir passando no corredor deste edifício e ele não se levantar prontamente à minha passagem. Chamado à atenção, declarou não me conhecer. Atinge o artigo 2 e o 4 da disciplina militar.” Deu-me o castigo, mas depois não saiu a ordem. Eu pertencia ao Grupo de Companhias Trem Auto e eles tinham que mandar para lá um ofício deste castigo para sair a ordem na minha caderneta, mas estava lá o coronel Venâncio Deslandes, o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, que era muito meu amigo. Esse, então, não mandou nada para lá. De maneira que não saiu nada a ordem. Se saísse, pelo que foi, também não fazia mal, porque não foi castigo nenhum assim de relevo. Eu era obrigado a levantar-me e a conhecê-lo se ele viesse fardado. Mas eu estava lá há um dia ou dois, não podia. Ele vinha fardado o primeiro dia, o segundo dia vinha à paisana. É totalmente diferente. Isto, há 54 anos. Nunca mais me esqueceu.