“À meia-noite, fechava e ia para trás dos cascos”

Fui fazer os 15 anos a Lisboa. Fui para lá, porque aqui não havia nada. Ficava aqui a fazer o quê? A minha mãe ficou triste e até eu fui triste, mas tinha que ser assim, não podia ser de outra maneira. Nunca tive ninguém que me ajudasse. Nunca tive ninguém que me cosesse um botão sem ser a troco de dinheiro, sem ser a pagar.

Estive numa taberna a trabalhar 18 horas por dia. Desde as seis da manhã até à meia-noite. Só estava sentado o tempo que estava a comer, que era depressa. Aquilo era muito tempo. À meia-noite fechava e ia para trás dos cascos. Os cascos eram onde têm o vinho. Aqueles barris grandes. Era ali a minha cama. Estava lá um divãzito, dormia ali. Deitava-me. Para o lado que eu me deitasse, era para o lado que acordava de manhã, quando me batiam à porta para lá ir servir os bagaços e as aguardentes.

Antigamente, havia os cortados, que era abafado com aguardente à mistura. Havia as ginjas, havia as bebidas brancas, como chamavam. Só fazia mal, mas era aquilo que a malta bebia.